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A DE AMOR, A de Augusto!

  • Foto do escritor: Lilis | Linhas Livres
    Lilis | Linhas Livres
  • 24 de mai. de 2019
  • 6 min de leitura

Por Alexandre Meiken

Fotos Arquivo Pessoal


Conheço Maria de Fátima desde a infância. Ela é mãe da Nicole, a melhor amiga de minha prima Mariana, que, ocasionalmente, nos encontrávamos e brincávamos. Então, conheço a família Corradini Golob desde sempre, digamos, por tabela. Ainda assim foi Nicole que intermediou meu encontro com a mãe, professora aposentada. Afinal, eu estava apreensivo, narrar a história de alguém não é das tarefas mais fáceis. Porém, sabemos que às vezes é necessária. “Eu pressenti o que ia acontecer”, disse-me logo na primeira entrevista. E, de fato, aconteceu.


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Christiano, Nicole e Augusto

A história de Maria de Fátima tem um tanto de contradição e, por que não, mistério?! Fátima, como é conhecida, nasceu em Sorocaba, interior de São Paulo, em maio de 1961. Descendente de italianos, parte da família tinha um comércio de sementes no centro da cidade que durou cerca de 60 anos. Ela até chegou a ajudar no trabalho, mas viu que não era a sua praia.


Sempre foi uma pessoa tímida e teve uma infância bastante regrada, apesar disso, teve facilidades para fazer amizades. Gostava de natação, esporte que a fez competir e ganhar várias medalhas. Professora por formação, nunca gostou de estudar. Mas essa contradição tem uma justificativa. Tinha Transtorno de Déficit de Atenção (TODA), descoberta após repetir um ano escolar. Por isso era agitada e tinha o apelido de Sagui – referência ao macaquinho com fama de peralta.


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Fátima Golob

No entanto, o ofício escolhido era a realidade da época, diz. A mãe, por ser professora e diretora de escola, disse que “todo mundo tem que fazer magistério para depois fazer o que quisesse”. Então, unindo a obrigação e a condição, optou por educação artística. “Na hora de fazer o vestibular, perguntei para o diretor qual era o curso com menos candidatos, ele disse que era educação artística. Então, foi aquele mesmo!”, lembra.


Por mais estranho que pareça, a escolha deu certo, apesar das dificuldades. Queria ser professora, mas não para alfabetizar, e sim por gostar de interação, músicas, brincadeiras e contar histórias. O que não deixa de ser um ensinamento, afinal, quem disse que as pessoas aprendem apenas sentadas copiando palavras da lousa? Durante a faculdade, entre o fim da década de 70 e início da década de 80, conheceu Tutto, seu namorado e, agora, marido.


Um sonho realizado! Como sempre teve dificuldades em relacionar-se, o casamento em 1985 foi uma realização. Para os costumes da época, a união aconteceu tardia, já que Fátima, observem, tinha 24 anos, mas foi bom para que tivesse tempo de conhecê-lo melhor. Filhos, idem. Não queria no início do casamento, tanto é que o primogênito Christiano nasceu depois de quatro anos, em 1989.


Pouco mais de um ano depois, veio Augusto, justamente para fazer companhia ao mais velho. Fátima frequentou a Igreja Católica, por outro lado, sempre se sentiu diferente, com sensações, sonhos, presságios. Inclusive, a terceira gravidez foi um deles. “Dois anos e alguns meses depois do Augusto, eu operei a corda vocal. Devia estar uns quinze dias grávida da Nicole, mas eu não sabia. Comecei a me sentir mal, achei que era o sistema nervoso. Daí fui ao médico e ele falou que eu estava grávida”, recorda.


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Fátima e o marido Tutto

Coincidentemente, pouco tempo antes, durante um passeio na Boulervard dr. Braguinha, no Centro, principal rua do comércio sorocabano, uma moça desconhecida estava andando na rua quando a parou e disse: “Nossa! Você vai ter uma meninona linda”. E teve mesmo! Nicole nasceu sem planejamento. Apesar dos filhos não terem dado tanto trabalho, a maternidade foi um sofrimento. De um lado da balança estava a herança de uma criação mais rígida, do outro, o desejo de libertar as crianças.



Sofrimento

Lógico que, como mãe, era aquela preocupação de pensar que algo aconteceu e correr atrás, um drama básico, coisa normal. Até esse ponto, a história é comum, de uma mulher, casada, mãe, preocupada com os filhos na adolescência. Mas em fevereiro de 2009, as coisas mudaram. “Trim, trim”! Nicole atendeu o telefone. “Ih, acho que ele se ferrou. Mãe, atende o telefone”. “A senhora é a mãe do Augusto Corradini Golob?”, perguntaram do outro lado da linha. “Sim, sou”, ela disse.


“Ele sofreu um acidente, levou uma paulada e você tem que vir aqui assinar um papel”, falaram. “Impossível! Meu filho é medroso e tem muitos amigos. Ó, você tá enganada!”, foi se despedindo. “A senhora é mãe do Augusto Corradini Golob?”, repetiu. “Sim, sou”, ela reforçou. “Ele sofreu um acidente, entrou numa briga e levou uma paulada”, a pessoa disse. Ela desligou o telefone.


Ao chegar no hospital, ela percebeu que começaram despistá-la. Colocaram-na em um quartinho e a encheram de perguntas sobre o que poderia ter acontecido com Augusto. “Mas, viu, ele não levou paulada?”, aflita, perguntou. A médica respondeu “não, é uma coisa do coração, por enquanto a gente tá achando que é o coração, porque ele vomitou”. Conclusão, tinham dado uma notícia errada por telefone. A paulada era sobre um outro cara, daí gerou um transtorno todo.


Mas sobre seu filho, a narrativa era muito real e dolorosa. Augusto havia sido encontrado inconsciente em uma calçada atrás de um shopping que fica próximo a uma rodovia e não resistiu, faleceu antes de chegar ao hospital. Como se não bastasse a dor da perda, devido a forma da morte do rapaz, começaram a surgir boatos entre conhecidos da possibilidade de ser decorrência do uso de drogas. O que na ocasião também alcançou os jornais.


Doeu, é claro, mas Fátima foi forte! Na verdade, ela mesma admite a associação, afinal, se lhe contassem que um jovem de 18 anos foi encontrado inconsciente em um local desses, também acharia que fosse algo do tipo. Mas não seu filho, esse ela o conhecia bem. Para dar fim no caso, assim que o laudo do Instituto Médico Legal saiu, fez questão de esclarecer à imprensa sobre a verdade e acabar de vez com os comentários maldosos da vizinhança sobre o suposto uso de entorpecentes.


Poucos sabem o que é a dor de perder alguém, ela é imprevisível. Não dá para prever a reação. Neste caso, ela já estava preparada, leu muito sobre a doutrina espírita, como forma de conforto e busca por explicações. Três anos antes da morte de Augusto, o jovem havia operado a tireoide, tinha um tumor benigno, fez uma cirurgia e ficou tudo bem.


Na época, Fátima até achou que ele não sobreviveria, mas acabou sonhado com a avó dizendo que o jovem não iria morrer naquele momento, mas que não seria muito tempo depois. Um ano antes do falecimento do filho, ele retornou ao médico, devido às mudanças de comportamento e dores causadas pela tireoide. E um mês antes, o cansaço já era visível. Dias antes, o cachorro de estimação se foi, e a relação entre o garoto e o bicho era de muito amor.


Claro que o rapaz se entristeceu, disse que não queria mais ter cachorro, enfim, coisas ditas no impulso. Na véspera da morte de Augusto, um novo bichinho de estimação chegou na casa dos Golob e ele ficou todo feliz com a novidade ao acordar no dia seguinte “é a herança que meu filho deixou”, diz ela apontando para o cão deitado logo atrás de mim, enquanto conversávamos.


Superação

Augusto e Fátima faziam aniversário no mês de maio e adoravam contar os dias para comemorá-los. Mas logo após o falecimento dele, ela pensou que iria enlouquecer nesse período, devido tanta dor. Como forma de amenizá-la, não a dor da perda, e sim da saudade de um período marcante em que ambos contavam os dias para o aniversário, resolveu ligar para as pessoas pedindo ajuda para arrecadar fraldas infantis para a Casa do Menor, de Sorocaba - uma entidade sem fins lucrativos que presta assistência às crianças que estão sob proteção judicial.


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Os filhos de Fátima, Christiano, Nicole e Augusto

Local que Augusto costumava frequentar junto com uma amiga toda segunda-feira para brincar com as crianças, coisa que só foi descoberta após o falecimento dele. Naquele primeiro momento conseguiram arrecadar três mil fraldas, porque todo mundo se sensibilizou com o caso. A campanha se tornou um marco. Então, desde 2009, em todo mês de maio a família arrecada fraldas e, no final do mês, na data do aniversário de Augusto, eles fazem uma festa para as crianças do lar e doam o material.


Muitas daquelas crianças nem imaginam o significado, mas com certeza sentem o carinho da família neste dia mais que especial. Mesmo com o sucesso da campanha, a fortaleza desmoronou. Cerca de seis anos depois da morte, Fátima foi diagnosticada com depressão, mesmo depois de anos “eu sou assim para tudo. Na hora, fico uma fortaleza, mas depois eu caio. Comecei a me sentir mal e a médica me disse que eu estava com depressão”, explica.


Saudade

Mas isso foi superado com tratamento adequado e como formas de distrações. “Vou pra praia, espairecer”. A famosa “volta por cima”, a superação por assim dizer, é difícil, nem sempre conseguimos ser fortes para enfrentar as adversidades. Mas talvez ressignificar a dor, transformar a saudade em ação de amor e caridade ao próximo possa ser um caminho. Talvez não seja à toa que as palavras sofrimento, superação e saudade começarem todas com a mesma letra "s". Quem sabe? Augusto e amor também têm suas semelhanças...


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Alexandre Meiken


Sorocabano, tem o sangue 50% português, 25% espanhol e 25% japonês, é capricorniano e muito metódico. Gosta de tudo o que remete a lembranças, de ficar na dele e de discos de vinil. Adora desafios e tem garra para terminar tudo o que se propõe a fazer. Detesta falta de compromisso, invasão de privacidade e dramalhão. Tem humor sarcástico, irônico e ácido, mas no fundo é um amorzinho. Topou participar do Lilis para estimular a escrita, descobrir coisas novas e mostrar sua versatilidade textual que pode ir de uma nota factual a uma boa história com pegada literária. (Leia mais aqui!) Foto de Pâmela Ramos .





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