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A CRIMINOSA violência psicológica!

  • Foto do escritor: Lilis | Linhas Livres
    Lilis | Linhas Livres
  • 12 de mar. de 2020
  • 9 min de leitura

Atualizado: 25 de mar. de 2020

A segunda matéria da série de reportagens explica porque a violência psicológica é crime e o que diz a Lei Maria da Penha**


Por Leila Gapy***

Ilustrações Ilaria Urbinati*

Imagem Arquivo Pessoal


Está na lei: violência psicológica é crime, com penas de reclusão e/ou multa para o agressor. A prática é tão criminosa quanto as violências física, sexual, patrimonial e moral; abarcadas pela chamada Lei Maria da Penha*. Legislação vigente no Brasil há 14 anos e que “veio para acabar com o ‘dito pelo não dito’; ‘diz que disse’; ou ‘minha palavra contra a tua’”, anulando a tradicional equalização de forças das vozes numa situação de violência doméstica, dando mais peso às declarações da mulher e possibilitando o afastamento do agressor, como explica a advogada Mariana da Silva Souza.


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“A lei Maria da Penha tem dois objetivos norteadores, o primeiro é o de dar voz e peso às declarações da vítima, obrigatoriamente mulher, o segundo é afastá-la com rapidez do convívio violento, ou seja, do agressor - que não necessariamente é homem, marido, residir no mesmo lar que a vítima ou estar numa relação hétero -, por meio da medida protetiva (com previsão de prisão de até dois anos no descumprimento)”, afirma a advogada que destaca tanto o desempenho hediondo da violência psicológica quanto às duas principais barreiras encontradas pelas vítimas para efetivação da lei: a desinformação pública e a estrutura sociocultural brasileira, enraizada no cristianismo histórico e patriarcal.

Ou seja, enquanto a violência doméstica contra a mulher pode ser cometida também pelos pais/mães, sogros(as), genros/noras, irmãos/irmãs, cunhados(as), tios(as), avós/netos; primos(as), padrastos/madrastas, namorados(as) e até amigos(as) que tenham relações socioafetivas, por legislação ou afinidade, residentes ou não na mesma casa, numa leitura mais atenciosa do artigo 7º da mesma lei*, a violência doméstica são cinco, listadas nesta ordem: as físicas, psicológicas, sexuais, patrimoniais e morais. Mariana, porém, chama a atenção para quatro dessas violências descritas em separado (física, sexual, patrimonial e moral), mas que passam e abarcam a violência psicológica que, por sua vez, é descrita em separado devido o entendimento de que pode ser desenvolvida sem associação às demais, apesar desse entendimento abrir interpretações, principalmente no que tange a violência física.


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Advogada Mariana da Silva Souza

“Toda violência física, sexual, patrimonial ou moral também é violência psicológica. É lógico que uma mulher estuprada terá prejuízos emocionais”, exemplifica. No entanto, explica ela, a violência psicológica pode ser desenvolvida sem o crime sexual ou patrimonial. “Ou seja, o agressor pode manipular e ferir a vítima emocionalmente, mas não estupra-la”, esclarece. Além disso, a advogada emenda que estudos recentes da área da psicologia apontam que os prejuízos emocionais da vítima podem desencadear não só doenças mentais, como a depressão, como também físicas, a exemplo de cefaleias. 




Origem e consequências

A menção dela é sobre estudos como, por exemplo, da psicóloga Luciane Lemos da Silva, atuante na Delegacia da Mulher de Florianópolis (SC), em conjunto com as professoras Elza Berger Salema Coelho e Sandra Noemi Cucurullo de Caponi, ambas pesquisadoras do Departamento de Saúde Pública da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). De acordo com a pesquisa, de 2007, a compreensão da violência psicológica registrada na legislação brasileira parte da resolução 40/34 da Organização das Nações Unidas, que define como vítimas:


[...] as pessoas que, individual ou coletivamente, tenham sofrido danos, inclusive lesões físicas e mentais, sofrimento emocional, perda financeira ou redução substancial nos direitos fundamentais, como conseqüência de ações ou omissões que violem a legislação penal vigente nos estados membros, incluída a que prescreve o abuso de poder [...], (ONU, 1985).

Segundo as estudiosas, o termo Violência Psicológica Doméstica foi cunhado no seio do movimento feminista internacional a partir da compreensão do fenômeno, tendo como marco a criação da primeira Casa Abrigo para mulheres em 1971, na Inglaterra, espalhando-se pela Europa e Estados Unidos em meados da década de 1970 e alcançando o Brasil nos anos 1980. E o que as estudiosas chamam de “dor da alma”, na prática é a reverberação da violência psicológica não só no comprometimento da saúde mental da vítima, como física também, pois provocam múltiplas conseqüências.


Entre essas consequências a depressão associada à dores corporais, gastrites, cefaleias, insônia, distúrbios alimentares como obesidade ou desnutrição, que podem alcançar infartos ou derrames; além de prejudicar relações interpessoais atingindo as pessoas ao redor (demais familiares). Ainda de acordo com o estudo de UFSC, há entendimento de que a vítima, direta (mulher) ou indireta (exemplo: filhos), pode ter dificuldades de interação social, por meio do isolamento social, ou de avanços intelectuais (como formação escolar), o que atinge o desempenho profissional e patrimonial.


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Crime social e barreiras

Tornando, então, a violência psicológica também um crime social, por se desdobrar em mais pessoas além da vítima direta, podendo desencadear assim, violências como a moral e a patrimonial a terceiros. O que para a advogada esbarra em duas questões interligadas. A primeira de que o desempenho e entendimento da violência doméstica é uma questão de saúde pública multidisciplinar e a segunda de que isso está intrínseco à estruturação cultural, pautada pela desinformação.


“Nossa primeira barreira contra a violência doméstica, principalmente quanto à psicológica, é a cultura”, garante. Segundo ela, a ausência do dolo material ou físico é visto culturalmente como de menor valor ou prejuízo à vítima. “Essa interpretação equivocada começa com a própria vítima se questionando a seriedade da ocorrência. É comum ela pensar ‘não foi bem assim, acho que exagerei’. Depois, passa pela desvalorização do ato com desculpas externas, como ‘ah, mas ele estava chateado’”, exemplifica.


Porém, Mariana ressalta que quando a vítima rompe essa primeira camada da estrutura social contemporânea, ela esbarra em outras, potencialmente graves. Além das próprias dúvidas oriundas do modelo social em que está inserida (como o conceito de que o casamento é indissolúvel a partir do juramento "até que a morte nos separe"), quase sempre a vítima de violência psicológica fica sozinha. Pois, na busca por apoio na família, assim como ela, também é comum os membros diminuírem o valor do fatos. “Há mães (filhos e parentes) que não apoiam a denúncia ou afastamento das filhas com relação aos agressores por medo de exposição, ineficiência do sistema ou convenções sociais, o que nada mais é do que infantilidade e egoísmo. Ninguém está pensando na vítima”, pontua.


Isso porque, com apoio ou não, quando a vítima chega à delegacia ou mesmo no terapeuta, às vezes não é atendida com eficiência pelo sistema também julgador. “O despreparo, por vezes, é geral. Desde advogados, psicólogos ou mesmo agentes das políciais (civil e militar), o que convenhamos está errado, não cabe a nenhum atendente, em nenhuma esfera, fazer juízo de valor. Não cabe. Só ao juiz de direito”, pontua. E mesmo quando a vítima rompe todas essas barreiras e efetiva a denúncia, iniciando o processo, ela lembra que é comum a transgressão da postura, ou seja, a recuada das decisões por parte da vítima.


“Muitas mulheres chegam a denunciar, chegam a processar, às vezes estão afastadas (dos agressores), mas não concluem o processo ou mantém a decisão de afastamento, seja pela vontade dela ou judicial, e retomam o relacionamento com o agressor. Essa transgressão é comum em nossa sociedade devido a associação de desinformação dos direitos da vítima, morosidade do sistema e baixa autoestima da vítima. Existe uma convenção de aceitação das violências em nossa cultura. Ela tem várias faces: ‘os filhos estão sofrendo', 'não tenho como me sustentar', 'mas ele me ama, só estava nervoso', 'foi só uma vez’, 'eu estou louca, sou exagerada'”, exemplifica.

Porém, para advogada, inclusive essa recuada da vítima é preciso ser acolhida e tratada, não julgada, pois faz parte de um processo de entendimento dos fatos e amadurecimento individual. “A violência de forma geral começa devagar, aos poucos”, diz. Trata-se de uma batida de porta na cara, um deixa-la falando sozinha. De repente vira uma brincadeira sem-graça, depois uma discussão. Então avança para negligências, como silêncios, ignorar suas vontades, desrespeitar a maternidade ou pagamento das contas. Podendo alcançar gritaria, xingamentos, e então empurrões, lesões e até espancamentos e estupros.


Para explicar esse processo da violência, no estudo da UFSC, as professoras parafraseiam a advogada e ativista estadunidense Layli Miller-Muro, "para poder ferir a companheira, principalmente fisicamente, o agressor precisa baixar a autoestima dela de tal forma que ela tolere todas as demais agressões”.

O fato é que, não há regra, mas quase sempre a vítima que não cresceu neste ambiente fica confusa e demora a identificar o enraizamento do problema. Enquanto a que nasceu num lar semelhante por vezes aceita-o por entender que esse é o único caminho. “Estamos numa sociedade criada a partir do estupro, estruturalmente patriarcal, com o homem como provedor financeiro e mentor. Então existe uma aceitação geral para os atos de violência, principalmente os simbólicos, silenciosos e psicológicos”, reflete.


Legislação, processo e deficiências

Até por isso, ela frisa, há dificuldades de um processo ser concluído, pois é preciso que, além da denúncia da vítima, o ideal é reunir provas, como testemunhas e laudo psicológico. "Como você vai se proteger de alguém que vai te ofender? O que temos são mecanismos para lidar. O primeiro passo é ter certeza que se sente ofendida e procurar ajuda (policial, jurídica, assistencial e terapêutica). Como a violência psicológica é silenciosa e quase sempre abarca outras violências, como patrimonial (exercida a partir do controle excessivo dos bens), interessante reunir por exemplo, provas desse controle", pontua.


Enquanto isso, para a advogada, o caminho para melhorias sociais são o debate – como matérias jornalísticas, rodas de conversa e palestras -, focando na propagação da informação, além da educação, por meio de projetos sociais e debates nas escolas. O que na interpretação dela elevará o entendimento geral do problema da violência e, por consequência, às melhorias da legislação e execução. Tanto que para Mariana, atualmente há pontos que precisam ser melhorados com urgência, como a atual redação da lei Maria da Penha, que foca na valorização da vítima e afastamento do agressor, mas não lista as punições, que poderiam ser previstas e mais claras.


“Existem punições, o juiz tem de avaliar caso por caso, qual o dano, qual circunstância, como foi o comportamento do agressor após a ‘consciência’ do dano, se é que teve, qual a consequência à vítima. O que pode resultar, sim, em pena de reclusão no sistema aberto, semiaberto ou fechado, além de multa. Mas o dano ainda cabe à vítima, como o tratamento terapêutico ou retardo em conquistas patrimoniais, devido ausência de indenização”, exemplifica.

Além disso, a advogada lembra que outra fragilidade da legislação é a questão dos crimes, como da violência doméstica, prescreverem. O que no caso da violência psicológica a torna numa incógnita, já que é percebida a longo prazo, fruto de uma reunião de fatores. "Por isso é importante que a vítima imponha limites. Se sentiu ofendida, pausa. 'Não aceitarei mais'. E a partir dali, não mais mesmo", sugere. Além disso, ela pontua a necessidade de prever os mecanismos legais para o agressor condenado regressar à sociedade.


Acredito que todos têm direito a cumprir pena e se arrepender, mas esse regresso tem de ser pensado. Não dá para matar a ex-companheira e voltar à sociedade como ídolo do futebol ou protagonizando novela das 21h. Nos EUA, um pedófilo culpado não poderá trabalhar nunca mais com crianças e um agressor não poderá ser um profissional liberal. Aqui, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) proíbe um julgado culpado por violência doméstica de se inscrever no exame ou exercer a profissão, porque não tem sentido mesmo. Mas é preciso prever esse retorno de forma eficaz, temos que avançar, esse é o caminho”, acredita (LL).


*São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, violação de sua intimidade, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação - inciso 2º do artigo 7º da lei federal 11.340/2006 (com redação revisada pela 13.772/2018), chamada de Lei Maria da Penha, referenciada no exterior pela Organização das Nações Unidas (ONU). A redação não menciona a pena, que é prevista em outras leis como as de combate à violências verbais de injúria (de um a seis meses de prisão) e calúnia (de seis meses a 2 anos de reclusão). Atualmente há um projeto de lei (nº 9.559/2018) que tipifica o crime de violência psicológica com precisão de pena de reclusão de 2 à 4 anos, além da multa. 

*Ilaria Urbinati é uma ilustradora italiana.

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**Esta é a SEGUNDA matéria da SÉRIE DE REPORTAGENS - FEMINISMO

- 1ª matéria: No olho do furacão! (Por Nicole Bonentti);

- 3ª matéria: Amiga: fica esperta! (Pos Leila Gapy);

- 4ª matéria: Invisível, mas nem tanto! (Por Pâmela Ramos);

- 5ª matéria: Uma resposta chamada Feminismo! (Por Isabela Dantas);

- 6ª matéria: Elas por todas nós! (Por Isabel Rosado).


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Leila Gapy


é jornalista por formação, encantadora de memórias por vocação e professora, sua nova paixão. Idealizadora deste blogue,  é especialista em Jornalismo Literário e mestre em Comunicação e Cultura. Pesquisa texto artístico seriado e ama ler histórias reais. Tem 38 anos, é casada e têm uma filha, Catarina, sua inspiração. Foto: San Paiva | Fotopoesia


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