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NEW MEN or nothing!

  • Foto do escritor: Lilis | Linhas Livres
    Lilis | Linhas Livres
  • 2 de abr. de 2020
  • 9 min de leitura

Atualizado: 10 de abr. de 2020

*A 8ª reportagem (9º texto) da Série Feminismo expõe a importância das novas masculinidades para uma futura sociedade igualitária*



Por Eduardo Lira ***

Imagens (1) Cian Hogan**; (2 e 6) Eduardo Lira; (3 e 5) Divulgação; (4 e 7) Tom Booth**

Revisão Miriã Almeida

Edição Leila Gapy


Outra tarde André estava numa loja de roupas com a mãe, ele usava uma calça tailandesa, o modelo lembra uma saia. Percebeu que a mãe estava extremamente desconfortável. A vestimenta dele chamara a atenção de vários jovens que riam e cochichavam expressões como “viadinho”, julgando-o, apesar dele próprio não se importar com o que acontecia. Quando chegaram em casa ela pediu para que ele parasse de usar aquele tipo de calça porque, na opinião dela, o acessório poderia abrir interpretações a respeito dele.


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André Lopes é sorocabano, tem 25 anos, é recém-formado em arquitetura e agora estuda e adere ao movimento feminista, uma graduação que não se tem nas universidades, mas se forma no caráter e na consciência. André faz parte de uma nova geração de homens que reconhecem o machismo na sociedade e tenta valer-se de sua posição para quebrar da roda masculina opressora dentro da sociedade patriarcal em que vivemos.


Moro com a minha mãe, avó e tia. Fui criado por três mulheres e as três cresceram machistas, consequentemente cresci assim. Mesmo tendo a figura feminina muito mais forte, e esperado que fosse uma casa matriarcal, fui ensinado a ser o macho padrão, que especula e caracteriza tudo o que os homens escrotos devem fazer”. André comenta que sempre houve muita coisa que a mãe o dizia para fazer e agir e ele não entendia o porquê daquilo, mas que do contrário poderia simbolizar que ele não era homem heterossexual.

O ponto de partida para a mudança interna e extra pessoal se deu quando entrou em um relacionamento com uma mulher declaradamente feminista que abriu um leque sobre o mundo e o apresentou ao real, ao machismo como ele era. “Não que hoje eu não seja machista, mas eu nunca havia parado para perceber em mim tudo o que fere as mulheres. Antes dela acabei outros relacionamentos justamente por eu ser fechado para causas e coisas que sempre atingiam a mim e espelhava nelas”, assume.


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André Lopes, arquiteto sorocabano

Para Viviane Melo de Mendonça, doutora em Educação, professora do departamento de Ciências Humanas e Educação e do Programa de Pós-graduação em Estudos da Condição Humana Universidade Federal de São Carlos (Ufscar - Sorocaba), a luta feminista que dialoga com os estudos feministas vem para transformar e emancipar homens e mulheres e as próprias concepções de gênero que fundamentam hierarquias sociais baseadas na violência e na objetificação da mulher e do feminino”.


Ainda segundo Viviane, há uma relação intrínseca e necessária entre masculinidades, feminilidades e os feminismos. Uma e outra se constroem mutuamente e são fundamentadas em relações de poder que produzem diferenças e desigualdades. O feminismo é uma área de estudos e pesquisa que desvela estas diferenças e desigualdades, também é um movimento social de luta para suavizar as desigualdades e promover a emancipação das mulheres e, por consequência, promover a emancipação humana, que incluem os homens.

Uma pesquisa realizada no site “Papo de homem”, pelo Consórcio de Informações Sociais (CIS) da Universidade de São Paulo (USP), com apoio institucional da Organização das Nações Unidas (ONU) Mulheres, mostra que 72% dos 20 mil homens que responderam a pesquisa foram ensinados desde crianças a não demonstrar fragilidade a nada ou alguém e 60% ensinados a não demonstrar quaisquer sentimentos ou emoções.


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Quando pergunto ao André se ele chora, ou quando havia chorado pela ultima vez, me surpreendo. Estamos no último andar do prédio do Sesc Sorocaba, onde há várias plantas, teto de vidro e o vento bate forte enquanto o sol ilumina a área. André sorri, paira por um instante e diz que havia chorado pouco antes de ir conversar comigo. Não por algum motivo, mas por uma sensação. Escutava ‘O Livro da Selva’, música de Thiago Elniño, enquanto estava na rua e um dos trechos o tocou, fazendo com que não segurasse as lágrimas.


“Há algum tempo, para mim, chorar era algo impossível, me abrir com alguém, como faço hoje com a minha psicologa, era algo que nunca pensaria. Foi com o contato com o feminismo que eu soube que para ser homem não preciso deixar de ter sentimentos, que tudo bem eu demonstrar afeto ou chorar na frente de pessoas na rua. Isso não me torna menos homem (e se fosse o caso, não teria problemas também)”.


E ele prossegue, “já fui frio nos meus relacionamentos, um estorvo com minhas amizades e um peso para mim mesmo, se não fosse por minha ex-companheira me apresentar o feminismo, hoje eu não estaria conversando sobre feminismo, hoje não estaria lidando melhor com inúmeras questões e questionando tantas outras. Talvez estivesse no Tinder procurando alguém para transar e não ver mais no outro dia”, filosofa.


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Ela o prescreveu doses diárias de feminismo. O mostrou o que as mulheres passam e o que ele contribuía de ruim para esse todo. Isso foi corroendo-o e ele pode observar o que estava de errado. Ali começou sua mudança. Ela o ajudou no processo de transformação masculina. Atualmente, mesmo sem ela ao seu lado, ele percorre o caminho para que a cada dia possa crescer e ser alguém melhor. Uma desconstrução contínua, mesmo que dolorida, um eterno rasgar-se e remendar-se, como diria Guimarães Rosa.


Podemos ver no Brasil e no mundo um fortalecimento dos movimentos feministas e dos debates sobre as masculinidades, de acordo com Viviane isto leva ou procura levar à uma noção de gêneros mais fluídas e mais emancipadas, com quebras de modelos rígidos do que é ser homem e mulher. Isso tem vindo fortemente de mulheres e homens jovens e que se caracterizam com uma rapidez maior de informações próprias da era que vivemos das redes sociais e internet.


Esta é a diferença do homem de quatro décadas que fazia o papel de mantenedor da casa e reprodutor, para a geração de André, que hoje consegue se preocupar com o bem-estar de outra pessoa. Um exemplo é os movimentos #metoo nos EUA e o #elenão no Brasil. Ao mesmo tempo, é necessário, por outro lado, um retorno às memórias de lutas das gerações anteriores para não cairmos no risco da superficialidade de discursos que também são próprios da rapidez e imediatismo destes tempos e de novos meios de comunicação que interagem e permeiam para que uma nova masculinidade seja vista e fomentada.


Parafraseando Simone de Beauvoir, não se nasce homem, torna-se. A sociedade desde cedo com as crianças, os educa para o que se chama de "masculinidade hegemônica". Conceito de uma pesquisadora australiana Raewyn Connel que se refere a uma posição de poder dos homens na sociedade que justifica a subordinação das físicas e intelectual de mulheres e de outras formas marginalizadas de ser um homem.


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A manutenção desta subordinação e desta masculinidade é feita por meio de violência simbólica e física, que reforça a ideia do homem viril, forte e dominador das mulheres ou mesmo de homens que parecem mulheres, os “afeminados”, simplesmente porque não são tão viris e fortes como o modelo social esperado.


Este modelo de masculinidade, portanto, é tóxica tanto para homens como para mulheres e exclui as diversas formas de ser homem na sociedade e promove as desigualdades de gênero e também a lgbtfobia. O trabalho dos homens no feminismo é o combate da masculinidade hegemônica e da toxidade das relações de gênero. Isso é urgente, mas parece estar a passos de formiga, comenta Viviane.


André relata que muito frequentemente o questionam sobre a sexualidade, insinuando que ele seja homossexual ou bissexual. Suas familiaridades e trejeitos femininos levam as pessoas a acharem, no conceito cultural padrão brasileiro, que ele não é macho padrão, heterossexual, o que torna esse papel questionável. De pernas cruzadas, educado e gentil, age com forma conhecidas como femininas a todo tempo. Ele gosta de astrologia. Virginiano, signo regido por Vênus, deusa feminina, do amor e da beleza, socialmente, quem gosta de astrologia já é visto como alguém mais feminino. Homens em geral não conseguem ver uma sensibilidade nas ações e gostos de outros homens, quaisquer coisas que fujam do esperado padrão do macho, são “coisas de gay”.


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Estamos de fato em mudança?


Segundo Viviane, sim. “Não sei se podemos dizer que a masculinidade mudou, quando ainda é crescente a violência contra as mulheres, e ainda os cargos de poder são ocupados majoritariamente por homens brancos e heterossexuais, mas sim, as masculinidades estão se questionando de modo mais intenso neste momento”, afirma. Sempre existiram homens que desafiaram os padrões de gênero e de masculinidade na história, principalmente nos campos das artes, com performances diferentes, e também homens que desafiam estes padrões de gênero têm se tornado mais visíveis, provocando o debate sobre as masculinidades.


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Ou seja, é possível dizer que isso é um efeito do feminismo e da luta das mulheres, e que se este processo de transformação dos homens não for radicalmente feminista, ou seja, de luta contra as desigualdades e violência de gênero e pela emancipação das mulheres e humana, certamente a sociedade estará novamente criando um "novo modelo de ser homem", mais livre ainda certamente, mas, por outro lado, correrá o risco de manter as mesmas violências e subalternização do feminino e das mulheres, mais sutis e perversas. É preciso uma atenção crítica e debate constantes para esta questão colocada.


André tem se afastado de amizades em que percebe serem tóxicas como o comentado por Viviane, hoje ele alerta as pessoas a sua volta e que não se sentem mal pelo que estão falando e fazendo, já que agora consegue ver quando algo acaba interrompendo a liberdade do outro de ser livre. “Venho me desamarrando das amarras do macho escroto”, assume. Assuntos e brincadeiras que via pessoas próximas fazendo a ele simplesmente não se importava e até reproduzia. Hoje quando percebe que tais coisas não só apenas brincadeiras, mas coisas que afetam o outro de forma negativa, ele vê que isso não vale a pena manter por perto.



“Se um assunto ou ação atrapalha o convívio, essa toxicidade precisa ser derrubada, mesmo que isso derrube uma amizade de anos, prefiro me sentir bem do que alimentar isso. Por muito tempo deixei o André que as pessoas gostavam de enxergar, hoje eu deixo viver o André que eu gosto e que consegue fazer o mínimo, mas que o mínimo seja um montante de coisas boas”, finaliza ele (LL).

**Ilustradores

Cian Hogan é um ilustrador irlandês, a imagem usada foi feita exclusivamente para o tema de novas masculinidades.

Tom Booth é um ilustrador e autor de livros estadunidense, as duas imagens dele usadas na reportagem compõem uma série de ilustrações que conta a história de uma carpinteiro que precisa lidar com as perdas e reconstruir-se.


MAKING OF

Masculinidade tóxica! Certo dia me deparei com esse termo enquanto navegava pela web. E isso me encasquetou, afinal o que era isso? E então fui atrás do saber e, quando me vi, estava lendo sobre como isso estava impregnado e enraizado em todos nós, homens e mulheres, e que por meio do feminismo a máscara que escondia todo o horror, poderia vir a cair. Num momento próximo surgiu então o convite para entrar no escalão de reportagens sobre feminismo, não pensei duas vezes e logo quis falar sobre isso. Dei um passo para trás quando pairamos sobre o local de fala, mas dois a frente quando tudo se impôs para que eu e os outros homens do grupo, majoritariamente feminino, continuássemos. A questão para avançar então era encontrar A Fonte, tanto especialista, quanto testemunhal, passei por algumas pessoas até então dar de cara com os entrevistados para o texto. Nada acontece por acaso, mas foi o acaso que nos reuniu. Eu que tento me livrar da bolha que vivo, me vi ainda mais afundo de algo que achava estar saindo, algo que nos permeia e nos enfrenta diariamente, mas que desde então, acredito que tanto eu, André e quem mais se identificar, se vê pensando mais abertamente, mais claro e mais sobre ações, consequências e decisões. Pensando que como está não dá para continuar, que precisamos do feminismo por muito e para todos (Eduardo Lira).


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*Este é o 9º texto da SÉRIE FEMINISMO

- 1ª matéria: No olho do furacão! (Por Nicole Bonentti);

- 2ª matéria: A criminosa violência psicológica! (Por Leila Gapy);

- 3ª matéria: Amiga: fica esperta! (Por Leila Gapy);

- 4ª matéria: Invisível, mas nem tanto! (Por Pâmela Ramos);

- 5ª matéria: Uma resposta chamada Feminismo! (Por Isabela Dantas);

- 6ª matéria: Elas por todas nós! (Por Isabel Rosado);

- 7º Texto (1º artigo): Às negras: a história por direito! (Por Maria Teresa Ferreira);

- 8º Texto (7ª matéria): Ei, cara: tem lugar para você! (Alexandre Meiken).


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Eduardo Lira


Eduardo Reis Lira é sergipano criado e crescido em Sorocaba (SP), estudante de Jornalismo pela Universidade de Sorocaba (Uniso) e amante de livros, séries, sagas e poesias. Taurino, faminto por doces e pelos momentos capturados em fotografias, tenta transcrever os sentimentos em suas linhas. Atualmente é estagiário na Assessoria de Comunicação da Universidade de Sorocaba (Leia mais aqui!). Foto de Laura Chaves.


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