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ALICE, a avó exemplo de amor!

  • Foto do escritor: Lilis | Linhas Livres
    Lilis | Linhas Livres
  • 8 de jul. de 2018
  • 7 min de leitura

Atualizado: 19 de set. de 2018


Por Wanderlúcia Garcia

Fotos Arquivo Pessoal


De geração em geração minha família é composta por matriarcas. Eu poderia passar horas, até dias escrevendo sobre cada uma delas, de suas vidas e lutas. Mas de todas elas escolhi escrever um pouco sobre minha avó materna, Alice da Silva Garcia, a quem eu tenho grande admiração.


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Meus avós, Alice e Osório, próximos ao Jeep dele, uma de suas paixões (foto da década de 1990)

Ela nasceu em Eldorado Paulista (SP) em 3 de junho 1922. Foi a terceira de cinco irmãos, cujos nomes eram Domingos, Santino, Dolores e Lourdes, respectivamente na ordem. Sua mãe, Isabel Dulce da Silva Amaro, minha bisavó, faleceu muito nova em decorrência de tuberculose.


Tinha apenas 35 anos e deixou os filhos sob os cuidados do pai, meu bisavô, Antônio Amaro. Com pouca idade, Alice já ajudava os pais nas tarefas diárias e no trabalho. Ela sempre foi muito esperta e dedicada. Então, restou-lhe também a tarefa de ajudar na criação dos irmãos, além dos afazeres domésticos.


Seu pai tinha uma padaria e foi lá que ela sempre ajudou-o em tudo. Passaram por muitas batalhas e dificuldades, até mesmo no tempo da Revolução Constitucionalista (1932), quando os militares entravam nas residências e comércios destruindo tudo.


Meu bisavô tinha 76 anos quando faleceu devido um infarto fulminante ocorrido no momento em que ele lavava os pés. Almejando um futuro melhor, após o falecimento do pai, ela foi para Sorocaba (SP), com 21 anos, para morar na casa da madrinha, deixando os irmãos na sua cidade natal.


Vida nova

Com poucos recursos e muitos sonhos, começou a procurar emprego. E, enquanto nada conseguia, ajudava sua madrinha. A escassez era grande e quanto chegou o frio, juntou seus trocados e conseguiu comprar alguns novelos de lã podendo, assim, tecer sua própria blusa para poder se aquecer, eram tempos difíceis.


Começou a reparar em um moço que passava em frente à casa de sua madrinha batendo os pés para chamar sua atenção. Passou a vê-lo todos os dias, até mais de uma vez no dia passando por ali. Ele se chamava Osório Garcia, trabalhava como maquinista na Máquina à Fogo de Santa Helena – Votorantim (SP), e amava o que fazia.

Sua beleza e simplicidade a encantou e depois de três meses de tê-lo conhecido, casaram-se, ambos sempre diziam que foi amor à primeira vista. Um ano depois ela teve um filho, Walter Garcia, meu tio. Quando ele tinha três anos, sua segunda filha nasceu, Isabel Dulce Garcia, minha mãe.


Os filhos

Walter era muito esperto e saudável, até que com três anos de idade começou a ter convulsões que foram deixando severas sequelas com o passar do tempo, passando a viver acamado, sem andar, falar e ter qualquer entendimento. Dependendo de Alice, minha avó, pra tudo.


Tentaram-se todos os tratamentos possíveis na época, ele foi levado até nos melhores médicos da capital, mas de nada adiantou para que fosse revertido seu quadro. A luta era contínua, mas ao lado de seu marido, ela se sentia mais forte. A vida foi seguindo, sua filha cresceu e casou-se com o Benedito Donizete Cassimiro. Juntos lhe deram duas netas, Waldirene Gacia Cassimiro, minha irmã, e eu, Wanderlúcia Garcia Cassimiro.


Na madrugada de 18 de novembro de 1997, meu tio Walter faleceu em sua casa, por falência múltiplas de órgãos. A saúde frágil e a quantidade de medicamentos que tomava diariamente o fez partir com 50 anos de idade. Perder um filho deve ser umas das piores, senão a pior dor que pode se sentir na vida.

Como ela sempre cuidou do filho, todo o seu tempo era para ele, não pode participar de momentos importantes da vida da filha, como a Primeira Comunhão e Crisma (sacramentos católicos), reuniões e comemorações escolares, além de formaturas.


Ela viveu os anos de seu filho somente ao lado dele, sem participar do mundo exterior. Mas ainda assim, sempre estava com um sorriso no rosto. Depois disso ela pode sair, conhecer lugares, visitar parentes, mas a saudade do filho sempre estava lá.


Um amor

Minha avó foi uma pessoa de muitas qualidades, de muitos dons, tudo que ela se propunha a fazer, fazia com maestria. De tudo sabia, era uma mulher completa, forte e decidida. Aprendi muitas coisas com ela, era inspiradora, um exemplo a ser seguido.

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Minha avó carregando minha irmã, Waldirene, meu avó e eu, com o gato Gil no colo

E, mesmo com os golpes que a vida lhe deu, ela nunca perdeu a felicidade e o senso de humor. As reuniões em família sempre foram em sua casa, ela amava se reunir todos os parentes e amigos. Preparava tudo, suas comidas deliciosas e sobremesas formidáveis.


Em 2011 seu marido, meu avô, adoeceu. O coração estava frágil e os medicamentos não adiantavam mais. Os órgãos começaram a falhar. Então ele à declarou que caso partisse, logo voltaria para buscá-la. A saúde dele foi piorando e estava nítido que o fim estava próximo.


Estava sozinha com meu avô, minha mãe e minha avó estavam conversando com a enfermeira-chefe do plantão, no hospital. Ele havia acabado de passar por um procedimento doloroso, a retirada de água do pulmão por sucção. Pudemos ouvir seus gemidos do lado de fora da sala.


Um enfermeiro entrou no quarto e aplicou um medicamento na veia para que ele pudesse respirar melhor. Lembro-me que o questionei sobre o medicamento, pois sabia que os efeitos colaterais agiam diretamente no coração. Mas infelizmente não foi me dada atenção, “eram ordens médicas” e assim foi feito.


Quando o enfermeiro saiu da sala e eu perguntei ao meu avô se ele estava sentindo dor, ouvi suas últimas palavras: “Não, fia”. Continuei sentada ao seu lado segurando sua mão. Iria passar aquela noite no hospital. Mas naquele momento minha avó e minha mãe entram no quarto, para se despedir antes de irem embora, e foi neste momento que estávamos presentes – esposa, filha e neta -, que ele nos deixou.

Lembro-me também do desespero da minha avó e da minha mãe. Já eu, em meio aquela situação, tive de me controlar. Então respirei fundo e consegui me conter. E pude dizer algumas palavras que o tranquilizasse enquanto dava seus últimos suspiros. Quando chegou o fim, olhei para o relógio e dei a hora final.


Não foi fácil presenciar meu avô partindo ali, sem podermos fazer nada. Mas acredito que era a vontade de Deus e sou grata por estarmos ao seu lado naquele momento tão difícil de passagem. Mesmo que tenha sido aterrorizante para nós, ele pode saber e sentir que até o seu último momento estávamos ao seu lado, como sempre.


Minha avó, presenciando aquela cena, já começou a sentir dores no peito. Mal sabíamos que ela também nos deixaria em breve. Depois daquele dia, por mais que tentássemos fazer algo por ela, nada seria o suficiente, jamais conseguiríamos fazer a dor da perda passar.


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Meus avós no aniversário de 64 anos de casados

A partida

As dores foram ficando mais e mais freqüentes, até que tendo uma dor de angina muito forte, fora levada às pressas de ambulância para o hospital. Ficou internada e passou por um cateterismo. Depois foi transferida para outro hospital, o mesmo onde meu avô faleceu.


Ela teve que ficar na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) e não pudemos ficar ao seu lado o tempo todo. Via-a somente duas vezes por dia, nos horários de visita. Era final de maio e fazia muito frio naqueles dias. Um frio que eu não sentia há muito tempo, acho que era o universo se entristecendo com a sua partida se aproximando.


Nos poucos minutos que ficávamos com ela, eu passava creme em suas pernas, minha mãe lhe dava um pouco de água em sua boca com uma seringa e implorávamos para que os enfermeiros colocassem mais um cobertor sobre ela. Mas nosso pedido nunca fora atendido.


Ela sempre reclamava de muito frio, fome e sede e quando ela chamava os enfermeiros, eles não davam atenção. Nos horários de visita ela estava coberta com um lençol e, às vezes, também um cobertor. Foram dias de muito sofrimento para todos nós, não era fácil deixa-lá sozinha naquele ambiente inóspito, passando frio, fome e sede, principalmente no momento em que ela mais precisava de atenção.

Mas eram os médicos que ditavam as regras e nós éramos apenas leigos. Eram eles que sabiam o que era o melhor para ela. Não queríamos que ela passasse por esse momento sozinha e desamparada, então tentamos transferi-la para o quarto, pagaríamos para um médico particular cuidar dela, mas mesmo assim nosso pedido não foi atendido.


Era dia 3 de junho de 2011, dia do seu aniversário de 89 anos. Estávamos no horário de visita no hospital, conversamos e a parabenizamos. Mas no meu íntimo pude sentir que eu não iria mais vê-la, foi até difícil de falar sem chorar, mas falei que a amava muito.


Ao sair do quarto acompanhei seu olhar pela última vez. Depois da visita conversamos com o seu médico responsável como era de praxe e, como os ritmos cardíacos estavam alterados, ele falou que iria tentar um outro medicamento para o seu coração e que iria fazer o que fosse melhor.


No dia seguinte ligaram do hospital, solicitando a nossa presença, eu já sabia do que se tratava. Minha irmã foi comigo, minha mãe não teve forças para ir. E foi em uma manhã gelada, naquele hospital no alto do morro, onde se tem uma linda vista de toda a cidade, que nos deram a notícia.


O médico plantonista nos informou o que havia ocorrido, que minha avó havia nos deixado na madrugada. Como recuperar um coração despedaçado?

Dia 4 de junho de 2011 minha avó foi ao encontro do seu amor, após cinco meses da partida dele. Acredito que, como prometido, ele veio lhe buscar. Ela passou por muitas perdas, provações e sempre se fez forte, lutou e seguiu em frente, mas não suportou viver sem seu amigo, parceiro, companheiro marido e grande amor partir.


O exemplo

O que um sentia pelo outro era verdadeiro e único. Quem os via juntos e convivia com eles podia perceber o quanto se completavam. Passamos a vida buscando encontrar alguém que nos complete e ainda assim talvez não consigamos encontrar. Já eles puderam viver o sentimento mais puro e verdadeiro.


Muitas vezes não compreendemos os desígnios de Deus, mas acredito que na vida tudo tem um propósito e somos abençoados por estarmos aqui. Minha avó me ensinou que, a vida pode ser dura, mas com amor conseguimos levantar e seguir em frente. E que sem ele tudo perde o sentido e perdemos o propósito da vida, o amor. O amor!


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Wanderlúcia Garcia


Mãe, esposa, filha, amiga, pessoa feliz e amorosa, que adora estar em família e amigos. Para combater a injustiça escolheu o Direito como formação. Pisciana sonhadora, ama a natureza e tudo que Deus criou. Tem o papel e a caneta como amigos, pelos quais pode desabafar e criar. (Leia mais aqui!) Foto San Paiva | Fotopoesia.

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