AS CRIANÇAS, a verdade e o amor!
- Lilis | Linhas Livres
- 2 de abr. de 2019
- 3 min de leitura
Atualizado: 3 de abr. de 2019
Por Neusa Albuquerque
Imagem Divulgação

Era a primeira vez que via o pequeno Anderson nos braços de minha tia Áurea, sentada em nossa sala a conversar com minha mãe, Maria. Pedia abrigo por tempo indeterminado em nossa casa. Havia discutido com marido, por ter muito ciúmes dele. Eu sempre ouvia o bebê chorando de fome ou com as fraldas molhadas. Prestei atenção que a criança tomava aveia na mamadeira, em vez de leite puro, como irmã Adriana, da mesma idade, tomava.
Meu pai, Eloi, não ficou muito contente com a presença da cunhada lá em casa. Em uma noite teve uma conversa franca com minha mãe, pedindo que a cunhada fosse morar com os pais dela. Lembro-me dele justificar dizendo que ali ela causaria transtorno à nossa vida familiar. Um dia apareceu em casa o pai do Anderson, pedindo que sua amada e seu filho voltassem pra casa. Mas não teve acordo com o casal. Já bem cedo tia Áurea começou a juntar seus pertences e pegou seu bebê. Saiu pra nunca mais voltar.
Foi a última vez que os vi. Alguns anos se passaram e pouco sabia da minha tia e seu filho. Com a morte de meu pai, na minha adolescência, participamos mais da vida de meus avós. Soube então que Áurea tivera outros relacionamentos, de um deles nasceu Renata e mais dois primos. Um de nome Jone e outro apelidado de Ziquinho. Mas eu lembro-me mesmo é do Jonas, seu último relacionamento, o vi poucas vezes. Anderson já estava com dez anos de idade e Renata, com seis.
Moravam em um barraco que fora construído por meu avô, na época era uma favela, atualmente o Jardim Refugio, em Sorocaba (SP). Um dia o Anderson apareceu em nossa casa com um bilhete mal escrito pela mãe, que dizia:
“Querida mana, peço encarecidamente que deixe o seu sobrinho, Anderson, morar com você. Sei que tem muitos filhos pra criar, mas Jonas não quer o Anderson e a Renata em baixo mesmo teto que ele. Ameaça jogar as duas crianças no poço. Os pobrezinhos passam o dia na rua, já roubam doces pra comer nos bares da redondeza. Na casa do pai, são eles que não querem ficar. Estou desesperada. A Renata vai ficar a comadre Lúcia. Deus abençoe você, mana veia. Você não vai me faltar nesta hora”.
Minha mãe, com o coração partido e com lágrimas nos olhos, aceitou ele em sua humilde residência. Dizendo que onde comiam dez, comeria mais um e que nunca faltaria nada a ele. Foi assim que ela adotou Anderson. E ele permaneceu sobre sua tutela por vinte anos, só saindo de cada pra casar-se. Sempre diz a todos que tem na verdade onze filhos. Essa história me entristece um pouco, mas Anderson é um homem de respeito e vejo minha mãe uma heroína. Tenho muito orgulho desta duas pessoas fazerem parte de minha vida.
E pensar que, não só de tia Áurea, mas essa é a realidade de muitas outras mulheres e crianças deste imenso Brasil!!!
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Neusa Albuquerque
Costureira apaixonada pelo ofício e pela vida, é mãe de Paulo e Maíra, além de avó de Júlia e dos gêmeos Akiles e Benício - as crianças são sua fonte de energia. Envolvida com os movimentos sindicais e sociais há oito anos, passa o tempo livre divido entre as visitas à mãe Maria, no sítio em Tapiraí (SP), e o recém-descoberto prazer de escrever. É criadora do grupo Contação de Histórias, resultado de boas conversas (algumas acompanhadas de cerveja) e inúmeras viagens feitas "sem lenço, nem documento". O que mais gosta é sentir a liberdade da brisa beijando o rosto e as coisas fluindo alegremente ao seu redor.
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