AVÓS ESPECIAIS têm histórias para contar!
- Lilis | Linhas Livres
- 26 de jul. de 2018
- 6 min de leitura
Atualizado: 19 de set. de 2018
Por Helen Souza
Fotos Arquivo Pessoal
Quando eu sinto gratidão perante a vida, sempre penso no privilégio que tive por conviver com meus avós, Diná e Lázaro Correa, meus avós maternos, e Otaviana Francisca e Idalino José de Souza, os avós paternos. Passei a minha infância ao lado deles, compartilhamos a mesma casa no bairro Jardim Simus, em Sorocaba (SP). Na época, meus avós paternos vieram de Minas Gerais e foram morar comigo e meus pais nos fundos da casa do meu avô materno, Lázaro, mais conhecido como Lazinho.

Naquela casa permaneci até os sete anos idade, onde recebi dos três avós os melhores cuidados, carinhos, mimos e proteção. A avó Diná, como morava em São Paulo, tivemos menos contato na minha infância. Porém, ela foi a pessoa que garantiu meu primeiro banho e que auxiliou a minha mãe nos meus primeiros dias de vida. Ela retornou a Sorocaba quando eu era adolescente, atualmente mora perto do bairro onde resido e é a única que continua compartilhando a vida comigo, os demais faleceram.
(Fotos: 1. Helen, à esquerda, com o avô Lazinho e a irmã Jéssica; 2. Dona Diná; 3. Dona Otaviana e seu Idalino)
Eu admiro todos, os quatros são meus amados, mas sinto muitas saudades dos avós que já partiram, eles foram as melhores pessoas que conheci e convivi por toda minha vida. Logo que mudamos para a atual casa dos meus pais, meus avós paternos continuaram morando conosco. Eles acompanharam minha infância, adolescência e juventude, e depois de adulta eu os acompanhei durante o processo de envelhecimento e as dificuldades que surgiram relacionadas à saúde até a última despedida.
Minha avó Otaviana faleceu em outubro de 2014 e meu avô Idalino em janeiro de 2017. Ainda é muito recente a partida dele, minha casa ainda carrega o cheiro do meu avô, a lembrança da sua imagem permanece em todos os cantos, assim como é muito real a recordação da sua voz que me abençoava todos os dias ao sair para o trabalho e ao retornar para a casa. O meu velhinho faz muita falta e foi com ele que compartilhei quase 30 anos da minha vida. É sobre ele que aqui registro a minha admiração.
Idalino, o avô
Meu avô Idalino José de Souza nasceu no dia 16 de fevereiro de 1928, em Brotas de Macaúbas, no sertão da Bahia. Filho de José Crispim de Souza e Ana Bispo de Oliveira, ele deixou a Bahia na infância para trabalhar e buscar o próprio sustento na Capital de São Paulo, onde se tornou pedreiro. Em 1959, em Bocaiúva, Minas Gerais, ele se casou com Otaviana Francisca de Souza, doméstica e mineira, com quem teve os cinco filhos, quatro homens e uma mulher.
Homem inteligente, mas que nunca frequentou uma escola porque não existia na região onde morava. Certo dia, meu avô me contou que teve acesso à escrita e a leitura por meio de um professor particular contratado pelos seus pais. Tinha o prazer de narrar a sua história e a contextualizava com questões sociais, cultura, economia, política e religião. Petista convicto, discutia política sem temer os posicionamentos da oposição. O senhor Idalino frequentava a Igreja Católica, mas afirmava ser protestante, mesmo revelando a sua fé em Nossa Senhora Aparecida.
Fazia críticas a tudo sem pudor, a sinceridade foi uma das qualidades que meu avô exercia sem cautela, muitos o admiravam, mas alguns se afastaram. Gostava de moda de viola e samba de raiz, música boa que ouvia no seu toca-fitas que sempre deixava em volume alto no quintal da nossa casa. Ele sempre se emocionava com as canções que o faziam resgatar as memórias, as histórias da sua vida.
O meu avô gostava de dançar, passear e adorava dinheiro. O dia do pagamento da sua aposentadoria era sagrado, comprava roupas, alimentos com exageros e alguns presentinhos para quem ele gostava. Enquanto não gastava tudo, não sossegava. Com um bom nordestino, nas refeições diárias não podia faltar carne e farinha, a pimenta e o feijão complementavam os seus pratos preferidos.
Durante muito tempo o senhor Idalino enfrentou problemas com o álcool, já com a idade avançada conseguiu dar um basta. Homem vaidoso e galanteador, sempre compartilhava uma enciclopédia em suas prosas, fora um exímio contador de histórias. Chamava a atenção dos vizinhos e desconhecidos que passavam na rua em troca de tempo para uma boa conversa.
Na minha infância, eu pensava que meu avô não gostava de crianças, pois se irritava com todas elas, inclusive comigo, os vizinhos e outros netos quando o visitavam. Ele era um velhinho que se estressava com a agitação da criançada e por isso brigávamos muito. Depois que me tornei adulta, ele sempre me elogiava com declarações exageradas que até me intimidavam.
Na visão dele eu era musa, estudada, doutora e rica. Dizia que para eu ser perfeita só faltava me casar com o "negão" - como ele chamava meu namorado e por quem tinha muita estima. Sobre o amor, posso dizer que meu avô viveu uma história de muitas lutas e vitórias com sua amada, minha avó Otaviana. Ambos enfrentaram algumas limitações em decorrência da saúde e da deficiência física.
Ele foi vítima de um acidente que o fez perder um braço. Logo após o ocorrido ela perdeu gradativamente os movimentos das pernas, por motivos que nenhum especialista soube explicar, permanecendo cadeirante por mais de 20 anos, até o fim da vida. O senhor Idalino e a senhora Otaviana foram guerreiros inseparáveis, mesmo diante das dificuldades e conflitos comuns de um casal, um cuidou do outro.
Quando minha avó faleceu em 2014, meu avô seguiu a vida em luto, porém aproveitou para descansar após uma batalha de cuidados que lhe custou muitos anos. Passeou bastante com a família, ficava feliz quando passava aos finais de semana na chácara da família, no bairro Cercado, em Araçoiaba da Serra (SP). Depois de muitos anos retornou à praia e visitou parentes que moravam distantes.
Nunca esquecerei o dia que ele conheceu o Zoológico Municipal de Sorocaba “Quinzinho de Barros”, em 2016. O meu avô se encantou com o museu, até parecia que era o monitor responsável pela visitação, interagia com as pessoas explicando os objetos expostos relacionando com a história e as memórias da vida.
No segundo semestre de 2016, já com 88 anos de idade, o meu avô Idalino foi diagnosticado um câncer muito agressivo. Na véspera do Natal ele convocou todos os filhos, netos e bisnetos para um almoço especial, suspeitava que talvez fosse o último encontro com a família reunida com ele. A casa ficou cheia, com uma mesa farta, tudo planejado com muito carinho com a ajuda dos filhos e netos. Foi um dia feliz, de reencontros e despedidas.

Logo que o Ano Novo começou, o meu avô não apresentava mais nenhuma disposição, passou por dias de muito sofrimento e dor, a doença havia se agravado após sete meses de resistência. Foi para o hospital, onde permaneceu internado durante 15 dias, e acredito que enfrentou os piores momentos da sua vida. No dia 18 de janeiro de 2017 o guerreiro decidiu partir e ir ao encontro da minha avó, a sua eterna namorada.
Nessa data ela completaria 85 anos aqui na terra e, eles, 58 anos de casados. Sem dúvidas esse dia foi um dia de tristeza para os que ficaram, mas de muita celebração e alegria para o casal que se reencontrou no céu, acredito!
Meu avô será eternamente lembrado por todos aqueles que tiveram o prazer de conhecê-lo. Deixou sua marca registrada em todos os cantos por onde passou e construiu a sua história! Ensinou a família Souza o que é lutar e vencer na vida, mesmo diante de inúmeras dificuldades! Foi exemplo de resiliência e resistência! Para sempre será admirado e muito amado, meu querido avô Idalino!
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Helen Souza
Assistente social, especialista em políticas públicas no contexto do Sistema Único de Assistência Social (SUAS), servidora pública, atua na área há oito anos. Atualmente, desenvolve o trabalho com famílias e é profissional de referência do serviço de convivência e fortalecimento de vínculos para idosos, sua mais nova paixão. Sonhadora, combativa, não deixa de se incomodar com as injustiças e desigualdades sociais. Tem 33 anos, solteira e apaixonada. Uma mulher guerreira e que continua em construção. Gosta da natureza e de viajar. A família sempre foi a companhia mais especial de sua vida. (Leia mais aqui!) Foto San Paiva | Fotopoesia
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