DONA FÁTIMA, a mãe guerreira!
- Lilis | Linhas Livres
- 13 de mai. de 2018
- 6 min de leitura
Atualizado: 19 de set. de 2018
Por Cristiane Carmo
Fotos Arquivo Pessoal

Minha mãe tem 60 anos é a filha mais velha dos meus avós, Jacira e Alcides Rodrigues. É casada, reside em Sorocaba (SP), tem quatro filhos - duas mulheres e dois homens, cinco netos e uma bisneta. Como ela mesma sempre diz, a vida lhe deixou algumas marcas, algumas de tristezas, outras de alegrias. Mas todas têm uma história pra contar.
Meus avós moravam na pequena de Porto Feliz, interior de São Paulo, trabalhavam no canavial, e passaram por muitas dificuldades. Em 1957, minha mãe nasceu e, depois de um ano, nasceu a segunda filha da minha avó. Foi quando ela se deparou com um grande problema, pois saiu para trabalhar e quando voltou percebeu que meu avô havia ido embora, deixando-as abandonadas.
E devido à situação, minha avó decidiu mudar-se para Sorocaba com suas filhas. Chegando à cidade conseguiu um emprego, na lavanderia do Conjunto Hospitalar de Sorocaba (CHS). Sem condições de ter a casa própria, optou por alugar uma casa com três cômodos, já que o salário era suficiente para pagar o aluguel e sustentar suas filhas.
Na época, minha avó era bastante vaidosa e gostava de enrolar seus cabelos com bobes (rolo de cabelos), em um determinado dia, minha avó, como de costume, estava enrolando os cabelos - ela tinha mania de colocar o grampo de cabelo na boca -, e nisso minha mãe viu e foi fazer igual. Mas não deu certo, ela engoliu o grampo. Então foi aquele alvoroço, correram com a menina para o hospital.
Para a surpresa de todos, os médicos não conseguiram achar o grampo que ela havia engolido, foram feitos vários exames, mas infelizmente sem sucesso. Os médicos disseram que eles precisavam achar e retirar o grampo, pois poderia oxidar dentro dela, causando muitas infecções e podendo até leva-la à morte. Foi aí que minha avó, no momento de aflição, católica que era, fez uma promessa à Nossa Senhora Aparecida.
Pediu para que ela protegesse a filha de infecções e que, se conseguisse receber o milagre da filha soltar o grampo que havia engolido, levaria o grampo e a menina até a Catedral Basílica de Nossa Senhora da Conceição Aparecida, Santuário Nacional, em Aparecida (SP). A santa ouviu-lhe as preces. Depois de dois anos a menina espirrou e soltou aquele grampo, que já estava totalmente enferrujado e desfazendo.
Mas pela misericórdia de Deus, dizia, ela estava com saúde e, assim, cumpriram a promessa. Minha mãe passou toda infância e adolescência na Vila Fiori, estudava e tinha muitas amigas, e aos finais de semana as amigas se reuniam e faziam o chamado bailinho. Aos 13 anos ela conheceu um rapaz chamado Valdemir, meu pai, ela disse que foi amor à primeira vista.
Formando uma família

Mas somente depois de dois anos começaram a namorar. Aos 16 anos decidiram morar juntos. Então ela foi morar com ele, na casa da minha avó paterna. O que era pra ser perfeito, mas foi cada dia ficando mais difícil. Aos 18 anos ela me teve e as dificuldades estavam apenas começando. Era dependente do meu pai, um homem que não tinha muito juízo, não parava em emprego, foram tempos difíceis.
Mas ela ia levando, pois o amava. Após dois anos nasceu seu segundo filho, Cristiano. Em meio a muitas brigas, humilhações, uma relação bastante conturbada, ela até pensava em voltar pra casa da mãe, mas ao mesmo tempo pensava como iria voltar, com dois filhos pequenos pra sua mãe criar, então preferiu ficar naquele sofrimento. Em 1979 nasceu o terceiro, Emerson.
Ela estava feliz com os filhos que tivera, porém triste por ter que morar de favor com a sogra. Mas sempre acreditava que o amanhã poderia ser melhor. Mal sabia o quanto mais ela iria sofrer. Quando Emerson estava com sete meses foi diagnosticado com desidratação e precisou ser hospitalizado por 15 dias. Quando o menino sarou, cansados da vida dura, ela e meu pai decidiram ir embora para Porto Feliz (SP).
Chegando lá, meu pai conseguiu um emprego em uma indústria, alugou uma casa, e para minha mãe, sua vida estava mudando, estava estabilizada, independente. Isso durou apenas 11 meses, em 1981 meu pai foi dispensado do trabalho e precisaram voltar pra Sorocaba, e se viram outra vez naquela pobreza, tendo novamente que depender da minha avó paterna.
Minha mãe, com mais um bebê, pois havia nascido a caçula, Tatiane. Porém, sempre otimista, ela acreditava que seria diferente, pois agora minha avó tinha cedido três cômodos pra ela morar. Mas infelizmente meu pai, como sempre, apesar de ter arrajado um bom emprego, gastava todo o salário com mulheres, bebidas e jogos. Por muitas vezes presenciei minha mãe orando e pedindo a Deus que fizesse algo por nós.

Para que Deus abençoasse aquela água com açúcar que ela iria colocar na mamadeira para as crianças tomar. Nesta época, minha avó materna dizia: “Fátima, você está passando o pão que o diabo amassou. Largue desse homem, venha morar comigo". Mas ela era otimista, não queria abandonar meu pai. Acreditava no futuro melhor. Os anos se passaram, mas as coisas continuavam iguais.
Houve dias de não termos o que comer e minha mãe, mesmo já cansada de tantas humilhações, suportava tudo quieta. Certa vez ela percebeu que meu irmão Cristiano, então com seis anos de idade, estava emagrecendo e com alguns caroços no corpo, os médicos não conseguiam diagnosticar a doença, então ele foi hospitalizado. Minha mãe precisava ficar todo tempo no hospital.
Todos os dias era feita uma reunião com uma junta médica, para ver se descobriam a doença do meu irmão, e nada! Lembro-me que eu ia no horário de visita no hospital e minha mãe só chorava ao vê-lo sofrendo. Os médicos, infelizmente sem ter um diagnostico exato, soltaram um boato no hospital de que estavam suspeitando que meu irmão estava com HIV.
Minha mãe sofreu muito, pois as pessoas eram ainda mais preconceituosas, isolaram meu irmão. As mães da pediatria já não chegavam perto da minha mãe, com medo de se contaminarem – afinal, naquela época, ainda não sabia-se ao certo como essa doença era transmitida.
Os médicos a chamaram e disseram que meu irmão iria morrer, pois não tinham o que fazer. Foram meses de muito sofrimento, minha mãe conheceu o desprezo, a falta de amor ao próximo, mais em nenhum momento ela julgava essas pessoas, ela prosseguida acreditando que tudo que estava passando era permissão de Deus. Era uma mulher cheia de fé dentro do coração, enquanto a medicina dizia que era morte, ela dizia que acreditava em Deus e que seria vida, e com abundancia.
Depois de quatro meses, diagnosticaram meu irmão com blastomicose, doença infecciosa que acometem humanos e animais, desenvolvendo vários fungos, de diversas espécies. Meu irmão ficou em tratamento durante um ano e foi curado. Então minha mãe, que parecia estar adormecida, acordou para a vida, depois de todo aquele sofrimento.
Ela disse que seria uma nova mulher. Enfrentou meu pai e foi trabalhar. Conseguiu um emprego de doméstica, trabalhava das 8h às 17h, e tudo mudou. A partir dali, tínhamos comida na mesa, roupas, calçados e estávamos felizes. Meu pai trabalhava em uma empresa em Itu e estava quase tudo perfeito. Pois ainda faltava o grande sonho, ter a casa própria.
Em 1995 minha mãe realizou o sonho. Mudou-se para o Conjunto Habitacional (CHU) Júlio de Mesquita Filho. A felicidade estava completa. Depois de muitos anos, ela se recorda de todas as dificuldades que passou com meu pai, e das marcas que aqueles sofrimentos deixaram.
Porém, orgulha-se de não ter desistido dele. Mesmo nos momentos mais difíceis da sua vida, ela cumpriu o juramento de separar-se somente na morte. E assim aconteceu, em um dia de domingo, logo após o almoço, meu pai passou muito mal e foi hospitalizado. Ela percebeu que ele não estava bem, ele olhava firmemente em seus olhos e apertava suas mãos, como se quisesse dizer algo, era a despedida.
Ele ficou por 24 horas entubado, até que os médicos nos chamaram para dizer que em poucas horas o coração iria parar, para que preparássemos nossa mãe. Foi um dia muito difícil, pois ela estava perdendo o grande amor da vida dela. Ela sofreu e enlutou-se. Até que quatro anos depois da viuvez, minha mãe casou-se novamente, e está feliz até hoje.
Acredito que todos nós somos capazes de realizar sonhos, de desafiar os dias cinzentos, de sermos forte, mas há uma mulher chamada Fátima, que é guerreira, exemplo de amor, determinação, força e fé. É por quem tenho admiração, um amor incondicional e uma gratidão sem tamanho, mulher guerreira cheia de fé, a quem admiro e devo a ela tudo o que sou hoje. Para mim, ela é o meu maior exemplo de vida.
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Cristiane Carmo
Tem 42 anos e é casada com um cara incrível, seu maior apoiador de sonhos. É artesã e contadora de histórias no grupo Semeando e Encantando. Também é tradutora voluntária da Língua Brasileira de Sinais (Libras) para a comunidade surda, sua paixão. Ama a família, sua vida. Sonhadora, adora ler e escrever e acredita em um mundo melhor. (Leia mais aqui!) Foto San Paiva | Fotopoesia
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