MARIA, a avó persistente!
- Lilis | Linhas Livres
- 10 de jul. de 2018
- 7 min de leitura
Atualizado: 19 de set. de 2018
Por Lilian Prado
Fotos Arquivo Pessoal
Minha avó materna, Maria, nasceu em Araçoiaba da Serra (SP) e faleceu, aos 69 anos, em Sorocaba (SP). Teve uma infância pobre, perdeu o pai ainda jovem e depois o marido, tendo de criar cinco filhos sozinha. Mas fez isso com maestria, tornando-se esteio da família. A ela dedico esse texto, pois tenho uma profunda admiração e respeito. Minha avó Maria me deixou imensa saudade.

Ela teve uma infância pobre em Araçoiaba da Serra (SP), onde nasceu em março de 1930. Eram seis irmãos e moravam numa casa muito simples, sem energia elétrica e saneamento básico. Desde criança, como irmã mais velha, Maria ajudava a cuidar dos irmãos enquanto a mãe, dona Gertrudes, conhecida como Lurdes, minha bisavó, e meu bisavô, seu pai, Isidoro Antunes, conhecido como José - porque ele não gostava do próprio nome -, trabalhavam demais, ela em casa e ele na roça. Além disso, ela e a irmã, Ana, eram responsáveis também por levar a marmita para o pai na lavoura e para isso, caminhavam muito.
A primeira perda
Em certo dia aconteceu um acidente com o pai, José. Ele foi picado por uma cobra venenosa enquanto trabalhava e faleceu. A família ficou desamparada, principalmente financeiramente. Muitas pessoas os ajudaram e minha bisavó começou a lavar roupa para outras famílias a fim de sustentar a casa. Quando Maria entrou na adolescência, conheceu um moço bem apessoado, como dizia, na quermesse da igreja.
Com fala baixa e gentil, ele a conquistou. Era mais velho que ela e chamava-se Antero. Trabalhava como tratorista em uma fazenda e cuidava dos animais de um fazendeiro português que morava em São Paulo (SP). Ela estava encantada com aquele moço que era bom e tratava com carinho sua mãe.
Logo ficaram noivos, em seguida se casaram e foram morar em Sorocaba (SP), onde ele tornou-se vendedor de verduras e peixe. Foi quando Maria engravidou do primeiro filho, Antônio. O que foi a felicidade do esposo. Naquela época, primogênito do gênero masculino era motivo de orgulho para os pais.
Assim, com passar dos anos, ela deu a luz a mais quatro filhos, somando duas mulheres e três homens. Felizmente todos saudáveis. Mas o esposo começou a exagerar na bebida alcoólica e, mesmo sem agressões físicas, a agredia verbalmente. Parte do salário gastava com bebidas e, com isso, faltavam alimentos à mesa da família. Na fase da adolescência dos filhos, o esposo conseguiu um trabalho e foram morar em Alumínio (SP).

A casa foi fornecida pela empresa em que ele trabalhava, o que foi um alívio, pois se livrou do aluguel. Felizmente também a empresa pagava um ótimo salário. Mas os problemas com bebidas continuaram. Porém, não passavam mais fome. Lembro-me que uma vez ela me contou que chegavam a dividir três ovos fritos entre os cinco filhos, pois naquela época o país também passava por dificuldades. Mas apesar de todos os problemas, os filhos foram crescendo e se dedicando aos estudos. Dois filhos conseguiram trabalhar na principal empresa da cidade. Na época, ambos eram chamados de estafetas aprendizes, garotos entre 14 e 17 anos, o que era orgulho para família.
Apesar do sofrimento com marido alcoólatra, minha avó era uma pessoa dedicada à família e religiosa. Muito devota de Nossa Senhora Aparecida, rezava todas as noites em silêncio pela sua família e pelo esposo que, a seu ver, era trabalhador, solidário e protetor dos animais, mas que tinha como único defeito, o vício.
A segunda perda
Não sabemos o nosso destino, mas o de Maria fora traçado por uma tragédia, ocorrida em abril de 1971, quando ela tinha 45 anos e seus filhos com idades entre 12 e 19. Seu esposo faleceu após um acidente de trabalho. Foi um choque. Principalmente ao pensar como cuidaria dos filhos menores.
E justamente nesse momento doloroso ela foi desencorajada por muitos que diziam coisas como “o que será de você?”, “seus filhos sem pai irão se perder no mundo”. Mas ela prosseguiu em silêncio apesar das dúvidas e medo do futuro. Na ocasião, a empresa em que o marido trabalhou permitiu que ela e filhos continuassem morando na mesma casa por um período. E isso ajudou muito a família.
Favoreceu para que ela terminasse de criar os filhos dignamente, até que os mais velhos começaram a trabalhar na empresa. Depois, três deles casaram-se, até que ficaram com ela a filha mais velha e o filho caçula, ambos solteiros. Mas com muito esforço conseguiram comprar uma casa em Sorocaba em um bairro bem valorizado. Com ajuda da filha mais velha e com a pensão do marido, passou a viver bem.
A persistência
Mas sempre que podia visitava seus irmãos e a mãe. Lembro-me de algumas visitas que fiz ainda na infância. Uma história que me arrepia até hoje ocorreu na casa da bisavó Lurdes, que na época ainda estava lúcida. Minha avó Maria e minha família passaram uma tarde agradável com aquele cafezinho e pão de amendoim - que era uma delicia.
Um encontro regado a muita prosa. Então, começou anoitecer e esfriar. Era inverno e meu pai, como forma de ajudá-la, sempre dava um dinheirinho pra ela que, com aquele jeito simples, dizia “Não carece, Deus lhe pague”. Ao entramos no carro junto com minha avó Maria ela se mostrou preocupada e disse ”vão com cuidado, que Nossa Senhora ilumine caminho de vocês”.
Muitos não acreditam nesse fato, mas eu me lembro. E meu pai até hoje se emociona quando lembra-se. Na volta de Alumínio para Sorocaba, pela rodovia Raposo Tavares, que na época era escura e de mão dupla, próximo do quilômetro em que atualmente é um condomínio de luxo, em Araçoiaba da Serra, uma luz muito forte começou a iluminar o carro.
Meu pai, muito bravo dizia ”abaixe o farol, ultrapasse!” Ele não conseguia nem olhar para o espelho retrovisor devido ao reflexo da luz. Minha avó pedia para que ele se acalmasse. Lembro-me do meu irmão pequeno chorando e minha avó acalmando todos. Era uma luz que parecia reunião de vários holofotes iluminando o carro.
Isso ocorreu por alguns quilômetros, até que a luz sumiu. Nos amedrontou muito. Mas felizmente nada aconteceu e depois de anos, entre nós, acreditamos que, de alguma forma, fomos protegidos e iluminados por força divina, conforme pediu minha bisavó na despedida. Já em outras visitas, minha avó levava a mãe até a praça central. Ela já não estava tão lúcida devido a idade, mas comia pastel e ficava segurando a mão dela.
Filha e avó
Minha bisa sempre dizia "Não carece de tanta bondade, Deus abençoe!” A bênção dela trazia uma paz no coração. Em alguns momentos ela lembrava-se da filha, Maria, e dos demais filhos. Minha bisavó faleceu com 97 anos, em Araçoiaba da Serra (SP). Tenho doces lembranças dela e da avó Maria. Esperava com ansiedade as folgas de finais de semana do meu pai, pois sabíamos que iria visitá-la em Sorocaba.
Na época, morávamos em Alumínio e era uma diversão brincar no terreno em frente a casa onde atualmente é o famoso Parque das Águas. Havia um campo de futebol no local, além de muitas árvores. Eu brincava com o Lobo, cachorro da família, e às vezes brincava com as primas que moravam próximo. Confesso que fazíamos muita bagunça, às vezes ela ficava brava, mas era gostoso.
Delícia também era a comida caseira que ela preparava. Um dos pratos que os netos sempre lembram-se era o de frango frito e arroz vermelho, como ela costumava chamar, feito com ingredientes simples como arroz branco, carne moída com molho de tomate. Os tomates eram picados, feitos em camadas e bem temperados com alho, cebola e cheiro verde.
Era maravilhoso o sabor! E a sobremesa? Melancia. Maria evitava fazer doces porque era diabéticas e não resistiria a um prato de doces - casou houvesse. Mas a alegria dela era a mesa com fartura e ver toda família comendo, todos felizes. Ela ficava brava por minha mãe fazer dieta. Dizia "tem que comer quando está com saúde, depois de doente não se pode comer o que gosta".
Esse era o pensamento dela talvez seja por ela seguir uma dieta restritiva devido diabetes. O almoço de Natal era especial, com a presença de alguns outros familiares, com a mesa enfeitada com árvore Natal, música natalina e comida simples. Mas antes de comer, o costume era que todos rezassem a oração do Pai Nosso.
O importante
Para mim, o Natal era a melhor data. Tenho muita saudade. Durante as visitas, costumávamos dormir em sua casa. Meu pai, com muita insistência, conseguia levá-la passear com nós no zoológico, em Araçoiaba, no parque Chico Mendes, na Festa Junina, em Aparecida (SP). Como uma pessoa de muita fé, rezava por todos os filhos e netos. Queria o melhor para todos.
Lembro-me que meu pai dizia que, quando ele se aposentasse, compraria um carro melhor e a levaria para conhecer a rede Canção Nova (emissora católica). Ela gostava muito de assistir, principalmente o programa do padre Alberto. Nas tardes de domingo ela gostava de assistir o programa do Silvio Santos.

Naquela época tinha muitas atrações e uma delas era sorteio para participar do programa Baú da Felicidade - que premiava com casas os pagantes do carnê. Ela pagava corretamente, sem atrasos, e retirava no final de ano seus pontos em mercadorias na Loja do Baú. O sonho dela era conhecer o apresentador Silvio Santos e assistir ao vivo a um de seus programas. Infelizmente não concretizou esse sonho.
Todo aniversário dos netos, genros e noras ela presenteava com algo como carrinhos, toalhas de crochê, blusas de lã, e fazia questão de entrega-los pessoalmente. Meu irmão tem carrinhos dados por ela guardados até hoje. Eu tenho uma blusa vermelha de lã e uma imagem de Nossa Senhora Aparecida, ambos presentes que guardo com muito carinho.
Um dos seus costumes era levar flores e ascender velas no túmulo do meu avô, Antero, no dia de Finados. E algumas vezes a acompanhávamos até o cemitério. Após seu falecimento, em um de meus sonhos, minha avó dizia que a família não levava nem um botão de rosa ao seu túmulo, mas que não era para abandona- la.
Tomei o sonho como uma mensagem e faço o mesmo por ela, exatamente como fez durante anos para meu avô. E em todos os Finados levo flores em seu túmulo. Ela morreu em 10 de outubro de 1999, devido complicações de pneumonia. Deixou um vazio em toda a família.
Porém, até hoje ela vive na memória de todos. Criou seus filhos com muito amor e, mesmo após o falecimento do esposo, permaneceu ensinando o caminho do bem. Não esmoreceu diante das dificuldades. Sempre escutei de todos que Maria foi uma mulher guerreira, honesta, dedicada, solidária, um exemplo de pessoa. Minha avó, com muito orgulho.
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Lilian Prado
Também conhecida por Lilian Carla, tem 38 anos, é casada e mãe de um garoto muito especial, deficiente auditivo. E motivada pelo filho, é estudante da Língua Brasileira de Sinais (Libras), além de colaboradora da comunicação junto da comunidade surda. Gosta de viajar com a família, admira a natureza e uma boa música. Alegre, solidária e responsável, sonha com um mundo melhor, pacífico e acessível. (Leia mais aqui!) Foto: San Paiva | Fotopoesia
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