OLHOS MIÚDOS, coração gigante!
- Lilis | Linhas Livres
- 4 de mar. de 2018
- 3 min de leitura
Atualizado: 19 de set. de 2018
Por Maíra Alves
(Na ordem) Arte Henn Kim; foto Arquivo Pessoal

Era fim de tarde e a praia estava meio vazia. Havia chovido pouco antes e os convidados, que antes enchiam a casa, foram um a um embora. Sobraram eu, meus pais, os donos da casa e o pequenino, filho deles, afilhado de meus pais. Que criança adorável! Eu o conheci na véspera de seu batizado. Chama-me de Bia — não sei como Maíra virou Bia —, e tem um jeitinho todo especial de ver o mundo.
Ele é apaixonado por aqueles desenhos musicais infantis de uma certa galinha azul cheia de pintinhas e também, por influência do padrinho, por um pinguim atrapalhado que emite apenas um monte de sons, sem sentido, para se comunicar. Tem como companheiro fiel um cobertor azul, o qual ele chama de Tô. E é fascinado pelos bois que vivem no sítio onde mora.
Estávamos os seis na areia. Os homens foram os primeiros a entrar no mar. As mulheres sentaram-se nas cadeiras de praia e conversavam. Eu e meu pequeno companheiro fomos correndo para a água. Ele ama o mar. Suas perninhas gordinhas correram desajeitadas pela areia, vez ou outra me olhando, até que o alcancei e o fiz segurar minha mão.
Sentamos à beira, no raso, as marolinhas quebravam no corpinho pequeno do menino. Suas mãozinhas cavavam a areia úmida e despejavam-na em minhas pernas, em uma obra abstrata inacabável que era destruída a cada nova onda que nos alcançava. Batia as mãos na água por pura alegria toda vez que uma onda vinha. Soltava um “êêê” quando o fazia, em comemoração.
Aos poucos a luz do sol iniciou sua despedida, tímida. Aquela luz bonita do final de tarde, naquele último dia de praia. No dia seguinte iríamos embora e eu olhava para o pequeno já com saudades dos quatro dias que passamos juntos. É que eu não tenho irmãos, nem sequer terei sobrinhos meus, só os que compartilharei, se der sorte, com quem eu resolver compartilhar a vida.
Foi por isso que fiz um acordo com meu primo - também filho único e que cresceu comigo -, que trataríamos os filhos um do outro como sobrinhos. E, bom, esses ainda hão de demorar a vir. Tirei uma foto do garotinho sob a luz bonita. Seu rosto tinha respingos da água barrenta com a qual ele brincava de me sujar.

Quando eu o visse novamente, talvez já conseguisse falar alguma coisa nova. Toda vez que eu o via ele parecia maior e mais esperto. E me partia o coração não morar mais perto para ver o momento em que isso acontecia. Daqui uns dias farei vinte anos. Dez dias depois ele completa dois. Minha casa tem cada vez mais fotos dele. E, a todo momento, algo nos lembra de seus gracejos, de seu jeitinho...
Fico pensando que a gente esquece com o tempo de como aproveitar as pequenas descobertas da vida. E ele, tão pequeno, me lembra disso constantemente. Acho que é por isso que é fácil gostar de Nícolas. Torço para tê-lo em minha vida por muito tempo. Para vê-lo crescer. Para rir com ele.
Para lhe ensinar algo e para aprender com ele. Para ser relembrada, a cada nova descoberta, a cada novo machucado e a cada nova história, de que a vida é única. Única de tantas formas diferentes que, às vezes, é preciso nos ver pequenos de novo para enxergar o que grandes não conseguimos entender.
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Henn Kim é uma ilustradora sul-coreana que desenha imagens conceituais e minimalistas em preto e branco, sempre envolvendo elementos psíquicos comuns ao ser humano. Seus traços pontuam metáforas e expõem, principalmente, a alma feminina.
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Maíra Alves
Belenense de nascença e sorocabana de coração, Maíra carrega a poesia no nome. Transforma coisas boas em palavras, coisas ruins em versos e escreve o que a fala não é capaz de expressar. Com 20 anos, é estudante de Psicologia e tem como motivação para seus textos as alegrias e desafios da vida. (Leia mais aqui!) Foto San Paiva | Fotopoesia
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Parabéns Maíra! A vida é uma história que começa na concepção uterina. Sucesso!!!