PAI também chora!
- Lilis | Linhas Livres
- 17 de ago. de 2018
- 5 min de leitura
Atualizado: 19 de set. de 2018
Por Giulia Vasovino
Foto Arquivo Pessoa
Era fevereiro de 1997, mais precisamente uma terça-feira de Carnaval. Já se passava das quatro da manhã quando a jovem morena, de expressivos olhos castanhos, finalmente entrou na sala de parto. Junto dela estava o marido, um rapaz esguio, na faixa dos 23 anos, que aparentava calma, mas, por dentro, sentia o coração acelerar a cada minuto - ele experimentaria essa mesma euforia nos outros dois partos da esposa. Mas naquela noite, era sua primogênita que vinha ao mundo, a criança que o faria amadurecer, aprender o que era ser pai. E ele não podia mentir quão nervoso estava com a possibilidade. Às 4h35 ele ouviu o choro e me tomou nos braços pela primeira vez. Assim começa nossa história.

Antonio Vasovino Neto ou Toninho, para os mais íntimos, nasceu em janeiro de 1974, em São Paulo. Segundo minha avó, foi o maior bebê da maternidade, medindo 50 cm e pesando quase cinco quilos. Até hoje a altura dele intimida muita gente que não consegue ver o coração doce por trás daquele tamanho todo. Meu pai já fez de tudo um pouco, mas atualmente trabalha como representante comercial. Ou executivo de vendas, como ele gosta de ser chamado. Desde pequena, sou muito ligada a ele. Minha mãe diz que sempre o segui nos campos de futebol, tênis e até mesmo em passeios comuns. Não à toa, quando o Palmeiras disputou a Copa Libertadores de 1999 (campeões, inclusive), lá estava eu, de uniforme completo, cantando o hino ao lado dele no sofá de casa.
Na verdade, jogos de futebol sempre foram sagrados para nós. Temos os lados certos do sofá (ele o lado esquerdo e eu o direito) e não hesitamos em incorporar verdadeiros comentaristas futebolísticos a cada partida. Atualmente, já morando sozinha, tenho essa como uma das minhas maiores saudades, principalmente porque os 90 minutos de jogo se tornavam momentos de compartilhar um pouco da rotina, contar os recentes acontecimentos e as ideias para novas histórias que eu escreveria posteriormente.
Meu pai é um sujeito que agrada todo mundo. E quando digo todo mundo, é todo mundo mesmo. Talvez seja o jeito excêntrico e descontraído de ser, passando pelo arsenal de piadas que ele esconde na mente que faça também, com que ele seja querido. Não há um único lugar em que ele vá e não tire pelo menos um sorriso de alguém. Mas, junto do bom humor, vem também uma personalidade um tanto quanto complicada, principalmente quando falamos em teimosia e irritação. Às vezes chega até a ser engraçado ver as coisas mínimas que o tiram do sério. Somado a isso, Toninho também é um sujeito extremamente família, tanto que quando viaja, faz conferências de vídeo para matar a saudade das filhas e da esposa.
Em meados de 2016, conheci meu namorado. Confesso que nunca fui de namorar porque via nisso uma grande perda de tempo. Queimei minha língua no instante em que vi o sujeito pelos corredores da faculdade. Meu pai dava caronas para esse moço antes de começarmos a namorar efetivamente e não demorou a desconfiar que existia alguma coisa ali. Em uma verdadeira estratégia de guerra, começou uma aproximação lenta, mas perspicaz, até finalmente descobrir a história toda. Contrariando as minhas expectativas, ele não demonstrou uma única reação negativa e o acolheu como se fosse seu filho. Hoje em dia, ele diz que não existe sequer a possibilidade do moço sair da nossa família. Acontece.
E falando em família, existe uma relação engraçada com meu pai e os três irmãos da minha mãe. Sendo o primeiro genro, Toninho já chegou marcando seu espaço, como havia de ser. Meu avô paterno, José, é santista. Meu pai transformou seus dois filhos mais novos, que ainda eram crianças, em palmeirenses. Ele também os ensinou a gostar de rock e cultiva um espaço especial na mente de cada um deles, protagonizando histórias que vem à tona todas as vezes em que nos sentamos para compartilhar esses causos. E tristeza é quando meu pai, por algum motivo, não aparece nos tradicionais churrascos da família ou nos aniversários.
Por essas e outras, a missão de falar dele é extremamente complicada. É difícil escolher uma única história para contar, priorizar uma única lembrança quando várias me vem à mente enquanto escrevo. Meu pai é e sempre foi um homem determinado, exigente consigo mesmo e, simultaneamente, destemido. Faz o que for preciso para manter a família, nem que para isso tenha de realizar verdadeiros milagres. E eu já o vi fazendo isso. Talvez por este motivo, o episódio que mais tenha me marcado na vida inteira, tenha sido uma demonstração do quão perseverante ele pode ser.
Era 31 de janeiro, aniversário dele e último dia para regularização da matrícula na universidade em que eu estudava. Fomos até lá com esperanças de conseguir firmar mais um semestre, ao menos, para retomar os estudos na faculdade de jornalismo. A ansiedade me tomava quase por inteiro quando cruzamos as portas de vidro e iniciamos a subida pela escadaria, rumo ao setor administrativo. A sala estava vazia, éramos apenas eu e ele. Fomos prontamente atendidos e após algum diálogo e contas para conferências de valores, as pendências foram resolvidas. Eu estava oficialmente matriculada no quinto semestre.
Durante todo o caminho de volta para o carro, meu pai permaneceu em silêncio. Entramos, fechamos as portas e ele deu a partida. Poucos segundos depois, antes mesmo de tomar a estrada novamente, ele caiu no choro. Um choro de alívio, de recompensa por tudo aquilo que ele havia lutado. Ao mesmo tempo em que expulsava a agonia de dentro de si, suas mãos pressionavam e batiam no volante, ao passo que ele repetia “eu consegui”, permitindo que as lágrimas rolassem. Talvez ele não saiba, mas esse gesto me marcou profundamente.
Assim como toda pessoa que puxa grandes responsabilidades para si, meu pai não é de demonstrar fraquezas. Possui um coração gigante, um temperamento instável, uma bondade sem limites, mas chorar? Difícil. E desta vez, ele se permitiu desabar diante de mim, orgulhoso consigo mesmo por ter conquistado aquilo que sempre almejou para si mesmo e nunca obteve. Lembro de no mesmo instante, abraçá-lo e agradecer, libertando da minha alma toda aquela energia agonizante.
Desde então, vejo meu pai com outros olhos. Não que antes o visse de outra forma, mas foi como se, naquele momento, eu percebesse que até mesmo super-heróis têm coração sensível, têm medo frente a obstáculos mínimos, são humanos. Foi a primeira e única vez que vislumbrei de perto o peso da força e da perseverança que ele sempre carregou consigo em silêncio. O instante em que percebi o quanto ele já havia se sacrificado por nós e a profundidade dessa doação completa de energia e alma.
Atualmente já não estou mais na faculdade e nossos jogos de futebol se restringiram aos fins de semana. Os lados do sofá já não estão mais tão certos, mas o carinho continua mais forte do que nunca. Isso porque aprendi a valorizá-lo de uma maneira que jamais tinha imaginado ser possível antes. Enxerguei nele um ser humano que ama, erra, acerta, se frustra e jamais desiste. Sou extremamente grata a ele por ter me permitido ver esse lado. E também, por ser sua filha.
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Giulia Vasovino
Redatora por profissão e escritora nos tempos livres, encontrou nas palavras a melhor forma de expressão. Aos 21 anos gosta de literatura, música, cinema e uma boa conversa. Observadora por natureza, guarda os pequenos detalhes para si e sonha em um dia trabalhar nas grandes editoras ou, quem sabe, se aventurar fora do país. Ah, e claro, ter uma biblioteca igual à da Fera! Como gosta tanto de dizer, seu coração e sua alma são livres, assim como as linhas que escreve! (Leia mais aqui!) Foto Arquivo Pessoal.
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