PRISCILA, a mãe que ensina!
- Lilis | Linhas Livres
- 10 de mai. de 2018
- 11 min de leitura
Atualizado: 19 de set. de 2018
Por Raquel Teixeira
Fotos Arquivo Pessoal
Faço parte de uma família de mulheres fortes. Mulheres de peito, posso garantir, no melhor sentido da expressão. Que me ensinam até com o silêncio. Melhor que isso, me ensinam a resistir, prosseguir e ser feliz. Mais do que uma história de vida, conto-lhes então a receita da superação.

Minha mãe nasceu em Sorocaba (SP) na semana anterior ao Natal, dia 16 de dezembro de 1971. No Natal há o nascimento de Jesus Cristo – para os que acreditam –, que traz luz e esperança, bem como foi o nascimento dela, eu creio. Nome escolhido pela minha avó Arivane e seu marido Manuel, Priscila tem origem latina e significa aquela que é digna de ser venerada e, afirmo com toda propriedade que, ela é venerada por mim e por todos que têm o prazer de conhecer sua essência batalhadora e sua história.
Foi criada praticamente pela mãe e pela avó, Helena, pois o pai faleceu quando ainda era pequena. Passaram por algumas dificuldades financeiras, tiveram uma vida simples. Mas o que de dinheiro faltava, sobrava em educação, organização, sabedoria e ética. Foi muito bem criada por essas duas mulheres admiráveis e batalhadoras que, sem dúvidas, passaram essas virtudes para minha mãe. E, por consequência, mamãe para mim. Tenho um eterno agradecimento por ter tido elas em minha vida, criadoras da minha base e essência.
Além disso, foi a partir dessas influencias que começaram a surgir as caraterísticas que foram necessárias para minha mãe estar onde está atualmente e ter vencido tudo que venceu. Irmã de Patrícia, a mais velha, e de Rafael, o mais novo, desde sempre foi o meio termo entre ambos. Patrícia era muito agitada; já Rafael, bem calmo. E mamãe, um pouco dos dois. Era bem loirinha, miúda e foi uma criança muito tranquila, simpática, alegre e extremamente obediente.
Na adolescência, como qualquer outra adolescente, virava e mexia aprontava alguma, um queixo quebrado aqui, uma saída escondida ali e uma discussãozinha a cá. Mas sempre foi uma pessoa muito querida e elogiada pelos familiares, professores e amigos. Tinha amizade com todo mundo e, inclusive, até hoje as pessoas que tinham alguma proximidade com ela nessa época a reconhecem nas ruas. Também, quem não lembraria de uma gata dessa?
Cabelos, que nessa época começou a passar muita química, acabaram ficando mais escuros e enrolados – mas permanecendo bonito -, sua boquinha pequena, olhos que se fecham quando sorri e aquele corpão de atleta que, devido a prática de vôlei, academia e balé, encantavam a todos. Uma vez, um rapaz de bicicleta chegou a bater com a cabeça em um poste porque ficou acompanhando ela passar. Literalmente de parar a rua, ou a bicicleta, no caso. Mamãe gostava muito de sair e foi bem namoradeira. Certa ela!

Depois de alguns anos, mamãe começou a fazer magistério. Nesse período trabalhava em uma empresa de cimento, onde conheceu meu pai. Ele é muito diferente da minha mãe: ela é de sair, falar com todo mundo, inclusive com pessoas que não conhece, não tem vergonha de perguntar, é bem despojada. Ele já é mais na dele, envergonhado, caseiro, fazia faculdade de engenharia civil e estudava bastante. Mas apesar das distintas personalidades, eles confirmaram que a Lei do Eletromagnetismo – que diz sobre os opostos se atraírem -, está correta.
Casaram-se quando ela tinha 26 anos e passaram a morar juntos na casa da mãe dele, minha avó paterna. Ela não simpatizava muito com mamãe e ignorava-a. Um ano depois ela engravidou de meu irmão Gabriel e foi uma época difícil. Ela não se sentia bem naquela casa, meu pai trabalhava muito para mantê-los e ainda tinha toda aquela pressão de ter que ser uma boa mãe, boa mulher, boa nora e uma boa quantidade de paciência para viver em um ambiente onde se sabe que não era bem-vinda.
Dois anos depois engravidou novamente, de mim. Quando nasci ela decidiu mudar. Não queria mais morar na casa da sogra e então eles se organizaram para alugar uma casa para nós. Meu pai formou-se em engenharia e a maioria de seus trabalhos era fora cidade, vindo duas ou três vezes por semana para Sorocaba (SP).
Desde o casamento mamãe já não era mais a mesma. Passou a ser uma mulher totalmente dedicada a família. Abriu mão de continuar estudando e se concentrou em nos educar, cuidar e formar, com toda aquela base, aquela essência que ela teve quando criança. Sempre conciliando estas tarefas com as das mulheres que forneceram toda esta base a ela- até porque eram as únicas pessoas presentes. Os conhecimentos começavam a ser passados para a geração seguinte.
Depois de Gabriel e eu estarmos mais velhos, ela voltou a trabalhar. Eu e ele passávamos quase o dia todo na minha avó materna, Arivane. Só víamos minha mãe à noite. Com o passar dos anos, meu pai passou a vir só aos finais de semana, ficando cada vez mais e mais distante. O Gabriel começou a frequentar a escola, então ia para casa com minha mãe, e eu passei a dormir na minha avó para não precisar acordar tão cedo com eles. Com isso acabei, naturalmente, ficando um pouco distante da minha mãe, e isso nos custou uma série de atritos durante minha adolescência. E olha, eu não era fácil!
Então lá estava minha mãe novamente na labuta com dois filhos adolescente difíceis, uma casa inteira para administrar, diversos problemas no serviço e uma avó idosa para ajudar a cuidar. Apesar disso, ela manteve-se de pé. Fazia tudo o que podia e ainda sem reclamar. Aí começou a eclodir todas aquelas virtudes plantadas em sua infância, formando cada vez mais uma mulher guerreira, determinada.
Entretanto, como acontece com boa parte das mulheres, ela se deixou de lado. Pensava sempre no bem-estar do próximo antes de pensar nela mesma. Há quem ache que isso é uma virtude e outros que dizem ser um defeito, mas mamãe se preocupa muito com o outro. Está sempre disposta a ajudar, entender o lado do outro, não importa quem seja, qual seu poder aquisitivo ou história. Uma pessoa muito sincera e que não faz o bem esperando algum tipo de retorno. Faz porque se sente bem.
A mudança
Neste período, meu pai não estava presente. Nunca estava, nem dando suporte à distancia. Então nossa história tomou outro rumo e com isso nossas vidas jamais voltarão a ser o que era antes. Era 2015 e a vida seguia. Minha mãe trabalhava num escritório, meu pai em outro, Gabriel corria atrás de sua carreira de jogador de futebol e eu estudava e trabalhava. Eu tinha 14 anos, estava começando os preparativos para a tão esperada festa dos 15 anos. Gabriel ansiava pelo dia 29 de setembro, quando completaria a maioridade.
Mas em uma noite igual a qualquer outra, mamãe preparava a janta, Gabriel jogava bola na quadrinha, eu fazia lição na mesa da sala e meu pai estava em São Paulo. Tinha acabado de falar com ele no grupo que tínhamos no WhatsApp; ele estava contando sobre a nova academia que tinha se matriculado lá.
Quando Gabriel voltou para jantar, ele se queixou de um problema que seu celular estava dando por conta da operadora. Então mamãe foi até o computador para entrar no site da operadora e tentar resolver. E, por algum motivo que até hoje eu não sei qual era, talvez de sexto sentido ou qualquer outra coisa -, ela resolveu dar uma olhada na conta do telefone do meu pai também.
Então ela começou a observar que um determinado número estava repetindo-se muitas vezes, entrando em frequente contato com meu pai. Isso a deixou muito intrigada e esperou até chegar o final de semana para perguntar. Ele respondeu que era um encarregado de uma obra que estava mantendo um contato regular com ele para tratar de assuntos do serviço.
Só que já tendo uma noção de como mamãe é - muito teimosa e curiosa -, não se deu por satisfeita. E de fato nunca podemos ter certeza de nada, pois a sabedoria começa com a dúvida. E o sexto sentido dela estava certo. Depois de ficar remoendo aquilo na cabeça e averiguar mais afundo, descobriu que papai estava nos traindo.
Sabe, é muito engraçado essa questão do sexto sentido porque meu pai já estava muito estranho de uns anos para cá. De certa maneira, nós imaginávamos que alguma coisa estivesse acontecendo. Até havíamos chegado a pensar em traição, mas no fundo você não quer acreditar. Eu não queria pensar nessa possibilidade porque, a final de contas, é o meu pai, meu ‘’Dadinho’’, como costuma chama-lo. Ele nunca iria fazer isso com seus filhos e sua esposa.
Mas fez. Quando minha mãe me contou eu tinha acabado de sair da escola e a sensação que eu tive foi que o mundo havia congelado naquele momento. Não escutava mais os carros passando, os barulhos da rua ou ela falando. Senti um frio na barriga, uma náusea e sensação de vazio. Demorei alguns minutos para voltar a realidade. Me fugiu as palavras. Não sabia o que dizer. A única coisa que disse foi: "o Gabriel sabe?’’.
Inversão de papéis
Naquele momento eu sabia que teria que estar um passo à frente. Eu sabia como ele e minha mãe iriam ficar. Eu pressagiei como teriam que ser minhas atitudes a partir daquele momento; como ficaria a nossa vida. Suguei todas as responsabilidades, pois sabia que eles iam precisar mais de mim do que eu deles.
Por fim, chegando em casa, contamos para ele. No início ele ficou raivoso, mas depois desabou em lagrimas. Aliás, todos desabamos. É como se fosse um terremoto que vem e destrói tudo aquilo que você conhece, todo aquele lugar, lembrança e sentimento. Tudo fica destruído. Não sobra nada. Tem que começar do zero. Foi isso que meu irmão ganhou de 18 anos e a ‘’pérola’’ que eu nunca sonhei ter em meus 15.

Os primeiros meses foram os piores. Era briga o tempo inteiro. Todos afastados uns dos outros. Cada um tentando se livrar da tristeza de seu jeito. Gabriel se refugiou para casa de um amigo, eu para a casa de uma amiga e minha mãe para a cama. Ficava trancada no quarto. Começou a ficar doente. Não comia, não conversava.
Me lembro de escutar algumas vezes o choro de madrugada. Ela queria entender o motivo, o por quê. Ficava o tempo todo perguntando os detalhes para ele e cada vez ele resolvia contar, era pior. Doía mais. E quando os familiares e amigos mais próximos ficaram sabendo, eles não acreditavam: ‘’Não é possível?!’’. Para aqueles que acreditavam, assim como nós três, na imagem que ele havia deixado dele mesmo, é quase que impossível se conformar mesmo.
Sempre se mostrou ser um homem moral, ético, justo, de família, trabalhador, dedicado à sua família e a felicidade deles - quase que um segundo Rodrigo Hilbert, só que cá entre nós, mais humano. E teve até familiares e amigos que chegaram a comentar que pela personalidade da minha mãe, seria mais provável imaginar ela ter feito isso com ele e não ao contrário.
E aí tenho que mencionar mais uma vez a importância de suas virtudes moldadas na infância, apesar de ter sido namoradeira, ter essa personalidade mais despojada, a partir do momento em que ela assumiu um compromisso com ele, jamais ela deixou faltar o respeito, o amor, dignidade, cumplicidade e fidelidade. E isso é porque não importa o que a pessoa aparenta ser e sim o que ela realmente é.
Não importa que meu pai tenha formação acadêmica e minha mãe apenas o ensino médio pois, ao meu ver, ela é muito sábia; humana, inteligente e honesta. Sabe aquele provérbio popular ’’Deus ajuda quem cedo madruga’’? É bem isso. Ela é muito engenhosa e criativa do que ele. Meu sonho é me tornar engenheira. Sempre acreditei que foi por conta da influência do meu pai, mas não. Agora percebo que foi da minha mãe.
Porém, mamãe começou a questionar-se, punir-se e perdeu quase que toda sua fé. Não se conformava como uma pessoa que fez o certo a vida inteira, que amou profundamente seu marido, não fosse recompensada. ‘’Onde está o meu Deus agora? Será que ele está mesmo cuidando de mim? ’’
Este era o questionamento dela. Começou a achar que talvez fosse culpa dela de não ter sido mulher o suficiente para satisfaze-lo; de não ter ficado mais em cima, ao invés de ter respeitado o espaço e privacidade dele; ao invés de nunca ter checado seu cartão; ou até mesmo não ter adivinhado porque ia passar na cabeça dela que a pessoa que ela conhece há mais de 20 anos não é nada do que ela achava.
E não é exagero. Escutamos de muitas pessoas esse discurso: ‘’Mas você também ficou muito acomodada’’. Claro que o erro foi dela e não dele de ter a traído por mais de cinco anos. Sim, esqueci de mencionar isso. Não foi uma vez e pronto, acabou – o que também teria sido grave, convenhamos. Foram cinco anos vivendo ao lado de outra pessoa. Eu não consigo entender como meu pai conseguiu.
E olha que tentamos esquecer tudo e começar do zero. Minha mãe ficou com ele por um ano e escutamos ‘’desculpem-me’’, apenas uma vez. Ela tentou seguir as normas sociais e ainda culturais de que é normal o homem trair e a mulher tem que aceitar. Tentou seguir o conselho das pessoas que falaram que a separação ia destruir o casamento e toda nossa estabilidade.
A segunda mudança
Fomos para a praia, shopping, ele dançou no meu aniversário de 15 anos e nada disso resolveu. Porque nada mudava, ele não demostrava arrependimento. E isso foi a gota d´agua. Minha mãe estava ficando doente, enquanto ele colocava a cabeça no travesseiro à noite e dormia como se não tivesse acontecido nada.
Foi aí que a dor de ver que minha mãe não estava vivendo foi maior que o medo da mudança. Então resolvi ajudar a mudar. Como ela me ensinou, não espere alguém tomar uma atitude. Eu mesma tomei. Comecei a mostrar a ela que não seria o ato da separação que iria destruir o casamento, porque ele já foi destruído pela traição conosco e que, por mais que fosse difícil no começo, valeria a pena.
O que de fato importa a estabilidade econômica, se não há felicidade? Comecei a conversar com o Gabriel, dizer a ele que guardar os sentimentos não iria ajudar; que ninguém suporta tanto sofrimento e é natural acharmos algo para fugir da tristeza. Tentei me colocar numa posição que passasse a eles um certo conforto. Todos nós precisamos de umas pessoas para nos apoiar quando acharmos que estamos caindo. Sabia que precisava ajudar eles a dissolverem tudo isso, antes mesmo de eu ter feito. E quando você ajuda a curar outra pessoa, também cura-se a si mesmo.
Talvez Deus tenha me dado naquele dia no carro a sabedoria para agir. Talvez Ele tenha me presentado com um pouco de seu milagre. E assim minha mãe abriu o pedido de divórcio e, mesmo com tanto desejo de justiça, ela sabe que ninguém se cura ferindo o outro. Ela compreende que meu pai não teve a Arivane e nem a dona Helena para dar toda a base essencial que ela teve; ele não formou dentro dele todas aquelas virtudes.
E se formou, não soube executá-las. Foi difícil no começo, ficou tudo um pouco confuso. A rotina que costumávamos ter mudou de repente,: ele não estava morando mais conosco, os gastos tiveram que ser diminuídos, porque assim que saiu de casa, ele parou de ajudar financeiramente. Foi nessa época que percebemos quantas pessoas boas nos rodeavam e nos deram suporte.
Se não fosse minha avó, meus tios e até alguns amigos, não sei se teríamos conseguido nos manter. E mesmo depois de todo o sofrimento que as atitudes dele causaram, sabemos que não cabe a nós julgarmos ninguém. Remoer o passado irá apenas dificultar a nossa própria evolução e que só foi possível por conta de nossa experiência com a escuridão.
Por fim, a superação só nos ocorreu quando paramos de agir em virtude do que nos aconteceu e escolhermos o que queríamos nos tornar. Obrigado mamãe por continuar sendo essa guerreira que você é. Você é meu ponto de equilíbrio e me deu o melhor presente que poderia existir, um propósito para viver. Conseguimos! Mãe, eu te amo. Obrigada por me ensinar a resistir, prosseguir e ser feliz!

_
Confira também, pela mesma autora:
***

Raquel Teixeira
Tem 16 anos de histórias, lembranças, sentimentos e sonhos. Estudante, ela é o símbolo da metamorfose e representa a geração dos que acreditam na palavra. Por meio da lírica, constrói um novo trilho para um futuro melhor. Desenvolvendo a escrita pela paz, amor e humanização, ela arrisca, observa e compartilha sentimentos e histórias reais para cumprir esse propósito e alcançar a própria plenitude. (Leia mais aqui!) Foto San Paiva | Fotopoesia.
Raquel também escreveu:
*Curta nossa página e fique sabendo das novidades!
**Conheça os demais autores aqui!
Comments