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ANN NOCENTI, a power girl dos HQs!

  • Foto do escritor: Lilis | Linhas Livres
    Lilis | Linhas Livres
  • 17 de nov. de 2018
  • 7 min de leitura

Por Tom Rocha

Imagens Divulgação


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Ann, no início dos anos 1980, na redação da DC Comics.

A jornalista Ann Nocenti é uma escritora de mão cheia. Aos 61 anos de idade, sendo praticamente 40 deles de trabalhos dedicados às Histórias em Quadrinhos (HQs) estadunidenses, ela coleciona bagagem para várias edições ilustradas. Reservada na vida pessoal, o que sabe-se esta mulher - que antes dos 30 anos foi indicada ao Oscar das HQs nos EUA, o Eisner -, é que cursou a Universidade Estadual de Nova York em New Paltz (SUNY New Paltz) e em seguida entrou para a história mundial dos gibis ao responder, em 1982, um anúncio de vaga para escritor (com roteiro para HQ) para a Marvel Comics. (Na ilustração, Ann por Arthur Adams, incorporada na personagem Ricochet Rita).


Vale lembrar que, nos gibis norte-americanos de super-heróis, a coisa toda basicamente funciona assim: um escritor escreve a história; um desenhista a desenha (muitas vezes tem um artista chamado arte-finalista que finaliza com pincel os desenhos); e um editor coordena esse trabalho todo, lapida e orienta ajustes e mudanças quando necessário, para o trabalho passar pelo crivo dos donos da editora, que é quem tem a grana que banca a brincadeira toda.


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E foi neste cenário, até então supra masculino, que Ann escreveu sua história ao propor enredos surpreendentemente híbridos, tornando-se, por exemplo, uma das melhores escritoras da Marvel Comics, lar de personagens como Homem-Aranha, X-Men, Vingadores, Hulk e uma porrada de milhares de outros. Ela assumiu a revista do Demolidor a partir da edição 236, em novembro de 1986, e lá ficou até o número 292, totalizando 56 edições. Foram aproximadamente 4 anos e meio de trabalho com esse produto. Um bom tempo para se trabalhar um personagem.


E Ann foi uma escritora eficiente, dona de diálogos inteligentes e bem inventiva em misturar diversos plots, como relacionar crime e violência desenfreada no ambiente urbano, corporações, ecologia, economia sustentável, traumas psicológicos, mulheres fortes e proeminentes, adultério e transtornos de personalidade. Além, claro, de ameaça nuclear, sentimentos ambíguos, cidades do interior norte-americano, cenários rurais, Ultron (sim, aquele do filme "Vingadores 2 - A Era de Ultron"), Inumanos (sim, sim, aquele seriado de TV bem horrível) e até o satanás em pessoa (sim, sim, sim, o personagem Mefisto em pessoa). Destaque especial para a criação da vilã Mary Tyfoid (Na ilustração abaixo).


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Tyfoid era uma das várias paixões bandidas do Demolidor, e recorrente em diversos outros arcos narrativos ao longo dos anos, usada por vários outros autores (Mary recentemente apareceu na segunda temporada do Punho de Ferro, que a Netflix estreou em setembro de 2018). Porém, com esse estilo marrento, não demorou muito para que Ann começasse a bater-cabeça com seus editores, já que não arredava o pé em seus argumentos para as histórias que escrevia. Logicamente havia outras profissionais mulheres atuando na indústria, como Lynn Varley, Mary Saverin, Louise Simonson.


Mas a expressividade que Nocenti conseguiu ir mais além e resistir, já que eram os anos 80 e ter uma postura combativa assim era novidade ainda. Ann era muito diferenciada de outros profissionais. Enquanto escrevia gibis de super-heróis, fazia mestrado na Universidade de Columbia (NYC), trabalhando também na revista Lies of Our Times, e se cercando de livros de Marshall McLuhan, Noam Chomsky, Edward S. Herman e Walter Lippmann. Quando menina, cresceu em meio a revista do Dick Tracy (detetive) e Archie (uma espécie de Turma da Mônica juvenil americana).


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Já na juventude, teve contato com trabalhos de Robert Crumb, um dos grandes nomes dos quadrinhos underground estadunidense, que trabalhava temas mundanos e sociais. O primeiro trabalho de Ann na área das HQs foi em 1982, quando o editor Denny O´Neil lhe deu oito páginas na revista Bizarre Adventures #8, na Marvel Comics. A sua fase com o Demônio da Cozinha do Inferno (um dos apelidos do Demolidor) é marcada por um texto ágil, sem perda de tempo. As narrativas têm altos e baixos como uma montanha-russa, e não dá para saber onde Nocenti quer ir até efetivamente chegarmos lá com ela.


Toda a fase foi muito boa, e ter os desenhos de John Romita Jr., grande desenhista em fase de aprendizado e muito inspirado, e a arte-final elegante de Al Williamson, uma lenda dos quadrinhos, tornou a experiência de ler a fase de Ann Nocenti no Demolidor imprescindível. Ann começa em Demolidor exatamente do mesmo ponto onde Frank Miller, um dos melhores escritores estadunidenses de HQs do planeta, terminara sua obra-prima. E pelo trabalho, Ann teve uma indicação ao Eisner Award, o Oscar das HQs americanas, de Melhor Escritora em 1989.


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A moça perdeu para Alan Moore, um dos melhores profissionais da indústria. O que significa dizer que perdeu um jogo de bola para o Maradona. Infelizmente no Brasil não há publicação cobrindo na íntegra a obra de Ann, que foi espalhada no fim dos anos 80 e começo dos anos 90 na revista Superaventuras Marvel, da editora Abril. A escritora também criou com o desenhista Romita Jr. o filho de Mefisto, o demônio Coração Negro (Blackheart), personagem até hoje usado nas narrativas de terror e horror da editora. (Na foto, Ann com Romita Jr.)


Lembrando que Blackheart foi usado também no primeiro filme do "Motoqueiro Fantasma", feito em 2005 por Mark Steven Johhson, e interpretado pelo ator Wes Bentley. Outra criação sua, junto com o desenhista Arthur Addams, é o Longshot, aventureiro de outra dimensão com o poder de ter uma sorte incrível, e que se torna um dos X-Men na excelente fase do grupo, quando residiam no deserto australiano, nos fim dos anos 80. Além do loirinho sortudo de quatro dedos, Ann bolou o vilão Mojo, um ET gordão amarelo sem pernas e horroroso, que vive em um mundo onde tudo se parece com uma programação de TV.


Esse personagem se tornou um dos clássicos vilões dos X-Men. É ditador e escravagista, e reflete diretamente as leituras políticas de McLuhan e Chomsky feitas por Ann. A fase dos X-Men em que Nocenti foi a editora coincide com uma das melhores do grupo, o auge criativo que transformariam os mutantes na maior força de vendas da cultura pop de quadrinhos na virada da década. Os roteiros de Chris Claremont (escritor que fez os X-Men serem o que é), e artes do Romita Jr., Marc Silvestri e arte-final de Dan Green, representam o máximo da capacidade de entretenimento que folhas com páginas pintadas e letras podem oferecer.

Ela editou, entre outras revistas, a dos Defensores, Doutor Estranho, Quarteto Fantástico, Hulk, Excalibur, Novos Mutantes, o primeiro X-Men versus Vingadores, e escreveu histórias da Mulher-Aranha, Vingadores, Homem-Aranha, Venom e muito mais. Além da Marvel, Nocenti trabalhou com a DC Comics, a casa do Superman, Batman, Mulher-Maravilha e outros, em diferentes revistas da linha "Os Novos 52", um dos inúmeros reboots que a editora promove, de tempos em tempos, para alavancar vendas e consertar bagunças cronológicas.


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Em 2012 a escritora assumiu os roteiros da revista Arqueiro Verde e depois da Mulher-Gato. Em 2013, deixou os roteiros do Arqueiro para fazer uma série da Katana (na foto), a personagem que usa espada, e que se você viu o filme do Esquadrão Suicida, deve saber quem é. Em 2014, Nocenti escreveu uma nova série para a editora, Klarion The Witch Boy. O último trabalho de Ann Nocenti também é muito interessante. Se chama The Seeds. Para falar dela, precisamos falar da editora Karen Berger (foto abaixo). Uma daquelas deusas que descem pra Terra e tornam a vida um pouco mais divertida por aqui.


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Karen Berger

A mulher criou, dentro da DC, um selo chamado Vertigo, onde finalmente os EUA e o mundo puderam ter HQs com outras temáticas que não a de super heróis, sob as asas de uma máquina colossal do mainstream. Karen era uma coragem de mulher. Trouxe uma gama de grandes criadores que fizeram trabalhos dos mais significativos para a mídia e para suas carreiras: o selo trazia uma mistura de nomes consagrados, oferecendo do melhor material de drama, horror, ficção, romance, terror, ação, mistério, magia, crimes.


Tudo que você poderia imaginar que o ser humano pode criar (e ainda nem criou). Monstro do Pântano, Sandman, Preacher, 100 Balas, Hellblazer, tudo nasceu por conta da Karen. Se você assiste as séries Preacher e Lúcifer, deve agradecer a Karen. Esse passo para a indústria cultural e a mitologia pop ainda é sentida, ainda reverbera de forma significativa. Berger é uma das mulheres que realmente mudaram o mundo. Em 2013, a Warner, dona da DC, demitiu Berger. Em 2016, a editora Dark Horse a contratou.


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Ela agora gerencia o Berger Book. Um dos trabalhos desse selo é essa The Seeds. Desenhos (ao lado) do artista David Aja, que aliado ao texto de Ann, conta uma história passada nos EUA, onde reportagens cujos fatos são checados antes de serem divulgados estão morrendo, e onde fauna e a flora começaram a sofrer mutações. Acompanharemos uma então jornalista que cruza com a maior história que já se viu, e como que isso impacta esse mundo. Ann e Karen já trabalharam juntas na época da Vertigo, em uma revista do personagem chamado "Kid Eternidade".


Um garoto que pode chamar do além figuras históricas para lhe ajudar em suas aventuras. Que seja eterno esse poder nas duas enquanto durar o talento delas. Pois ainda hoje, essa nova-iorquina chamada Ann Nocenti, que já foi editora da revista High Times, a bíblia da maconha nos EUA, tem 61 anos, e ainda está na ativa nas HQs.


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Tom Rocha

É jornalista há 10 anos e faz reportagens sobre todos os assuntos. Trabalhou em jornais impressos, assessorias de imprensa e televisão. Cobriu desde reclamações de buracos e mato na calçada, homicídios e prisões de quadrilhas criminosa à festivais internacionais de música e a Copa do Mundo do Brasil de 2014. Música, cinema e livros são seus maiores interesses. (Leia mais aqui!) Foto Arquivo Pessoal.

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