ÀS NEGRAS: a história por direito!
- Lilis | Linhas Livres
- 28 de mar. de 2020
- 5 min de leitura
*ARTIGO - Na Série de Reportagens sobre feminismo, em referência ao Mês das Mulheres, a voz de quem tem o direito da história reescrita*
Por Maria Teresa Ferreira***
Imagens Divulgação

Antes de falar sobre Feminismo Negro é preciso fazer um resgate histórico do lugar designado as mulheres negras dentro do que estamos chamando de contemporaneidade, um bom ponto de partida é o movimento sufragista, que foi a luta das mulheres pelo direito ao voto em eleições políticas. Considerando, obviamente, que outras mulheres em outros momentos já estavam discutindo os efeitos e as consequências da sociedade patriarcal na vida das mulheres. O movimento sufragista, em minha opinião, mostra com nitidez a ausência das mulheres negras na concepção do movimento, sendo possível enxergar com mais clareza a dupla opressão que essas mulheres sofrem opressão de raça e de gênero.

As mulheres negras, apesar de parte considerável do gênero feminino da época e de sofrer tantas ou mais opressões do que as mulheres não negras, estiveram ausente de boa parte do processo de construção desse movimento e, por conseguinte, das demandas de reivindicações que o compunham. As mulheres negras foram incluídas no final do processo do sufrágio, quando o movimento precisava ganhar corpo e musculatura para pressionar a sociedade daquele momento, como nos fala o livro Mulher, Raça e Classe, de Ângela Davis (2016).
O movimento sufragista teve seu inicio no fim século 19 e começo do século 20 e era composto por mulheres em geral da classe média e alta, ou seja, mulheres da burguesia que reivindicavam liberdade financeira, direito à educação, ao divórcio e à participação da vida política por meio do voto. Quando essas mulheres começam a se mobilizar para conquista do seu direito ao voto, elas passaram a se articular com diversas lideranças na tentativa de convencê-las de seu objetivo: o exercício pleno de sua cidadania. E quem eram esses parceiros? Homens brancos, ricos e da alta sociedade, os únicos portadores de direitos civis, políticos e sociais isso diz muito sobre a natureza elitista desse movimento e a falta de consciência de gênero, classe e raça.
Até que se percebeu a necessidade de ganhar força para pressionar a sociedade, então essas mulheres procuram os homens negros. Aqui, neste momento, percebemos a exclusão das mulheres negras na aquisição de parceiros potentes para vencer a batalha. Pela lógica, se a ideia era encampar uma batalha para aquisição de direitos fundamentais para o gênero ao qual eu pertenço, o gênero feminino, o mais coerente era juntar forças às pessoas do gênero ao qual eu pertenço, correto?
Deveria ser, mas as sufragistas procuraram os homens negros, fortalecendo assim o gênero masculino, para dar o quórum necessário àquele momento, dentro do entendimento de que quanto mais apoiadores, melhor. Enquanto as mulheres negras não foram consideradas mesmo assim, ficando nítido, inclusive, a exclusão das mulheres negras dentro do movimento negro estadunidense. Ainda dentro do contexto político da época é preciso deixar registrado duas participações fundamentais para sua vitória: as mulheres pobres não negras e as mulheres negras.
As primeiras já estavam inseridas no trabalho fabril desde a Revolução Industrial, quando o movimento econômico mudou dos campos para a cidade, o ingresso dessas mulheres no mercado de trabalho deram à elas mais consciência dos seus direitos, ainda que elas fossem minorias sociais, ou seja, essas mulheres não tinham amplo acesso seus direitos, na verdade não tinham direito algum. O cenário trabalhista tinha como um dos principais atores as mulheres negras em plena atividade nas lavouras e plantações desde o início da escravidão nos EUA no século 16, compondo a engrenagem da economia estadunidense para obtenção do lucro e crescimento do país, como parte da mão de obra, exercendo o trabalho pesado assim como os homens negros.

Partido desse ponto percebemos que as mulheres negras não faziam parte do contrato social enquanto cidadãs e sim como mão de obra, propriedade, sem direto à voz e à existência, eram como objetos a serem comprados e vendidos, tanto pelo olhar masculino quanto pelo olhar feminino. Sojourner Truth, no seu discurso numa Convenção de Mulheres em 1851, em Ohio pergunta: "E não sou uma mulher?” se referindo ao tratamento dado às mulheres negras na sociedade estadunidense, quando o Feminismo Negro estava dando seus primeiros passos ou os primeiros gritos, pode-se dizer.
O movimento sufragista também chamado de primeira Onda Feminista, que ainda não contemplava as mulheres negras, porque não considerava sua existência, no bojo do direito ao voto, também reivindicava igualdade de gênero, direitos sexuais e reprodutivos, e é sempre importante fazer o recorte racial, porque as mulheres negras aqui século 19, já estavam livres sustentando suas famílias e já haviam parido e perdido seus filhos no período da escravidão. A quem esses direitos eram dirigidos? Por quem eram reivindicados?
Foi a partir da Segunda Onda do Feminismo que as mulheres negras passaram a se organizar e levantar suas próprias pautas dentro do movimento feminista, enquanto mulheres não negras queriam ganhar as ruas exigindo trabalhar fora, as mulheres negras queriam ser reconhecidas e valorizadas como trabalhadoras desde o século passado. O movimento feminista caracterizado pelo caráter eurocêntrico não dava, ou melhor nunca deu, respostas às demandas das mulheres negras, passando a ser questionado por já denominadas Feministas Negras como Ângela Davis e Alice Walker dizem: “diferentes, mas não desiguais”.

Discussões como ingresso no mercado de trabalho, salários iguais e ocupação de cargos de decisão foram introduzidos na sociedade patriarcal pelo movimento feminista de mulheres não negras, a problematização e a luta pela inclusão das mulheres negras nesse mercado ganhou corpo com as demandas levantadas pelo movimento de mulheres negras, que já se consolidava como Feminismo Negro.
As feministas negras vêm discutindo as especificidades que são acometidas as mulheres negras, preconceitos e discriminações, discussões que colocam no centro do debate uma sociedade que está estruturada pelo racismo, sociedade essa que construiu seu olhar sobre essa mulher a partir da escravidão, da desumanização dessa existência.
Pautas como acesso à educação, saúde e trabalho são eram principais bandeiras das feministas negras no início da sua organização, atualmente estas reivindicações se desdobram para além dos salários iguais, em políticas públicas que permitam a sobrevivência dessa população, como a diminuição da violência policial e o desencarceramento.
No Brasil autoras como Lélia Gonzales, Beatriz Nascimento e Djamila Ribeiro tem produzido obras de extrema importância dando visibilidade às elaborações do pensamento negro feminista e, mais, oferecendo opções de caminhos interseccionais para a diminuição das opressões e o fortalecimento do movimento feminista em geral (LL).
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*Este é o 7º texto da SÉRIE FEMINISMO
- 1ª matéria: No olho do furacão! (Por Nicole Bonentti);
- 2ª matéria: A criminosa violência psicológica! (Por Leila Gapy);
- 3ª matéria: Amiga: fica esperta! (Por Leila Gapy);
- 4ª matéria: Invisível, mas nem tanto! (Por Pâmela Ramos);
- 5ª matéria: Uma resposta chamada Feminismo! (Por Isabela Dantas);
- 6ª matéria: Elas por todas nós! (Por Isabel Rosado).
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Maria Teresa Ferreira
Educadora social por vocação, empreendedora da área alimentícia por paixão, além de mãe do Davi, por amor. Sou o resultado das minhas escolhas. Me constituo de todas as lágrimas que pude chorar e de todas as dores que senti. Mas sou toda a alegria que pude experimentar. Me chamo Maria Teresa, mas posso ser Maria, Teresa, Maitê, The, Tequinha e tantas outras variações que a língua portuguesa permita (ou não). Contudo, aprendi a não me perder nelas, porque elas refletem o que os outros vêem e meu coração é livre de julgamento. A vida é um eterno aprendizado e eu uma eterna aprendiz (Leia mais aqui!). Foto de San Paiva | Fotopoesia.
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