BARRO de mãe!
- Lilis | Linhas Livres
- 3 de mar. de 2018
- 3 min de leitura
Atualizado: 19 de set. de 2018
Por Natalia Gómez Targa
Pintura de Donald Zolan
Ser bom pai, boa mãe. Aceitar que a criança veio por meio de nós, mas não veio de nós. Por isso, ela não é metade pai metade mãe. Ela é cem por cento ela mesma, divina à sua própria maneira.
Hoje eu carrego a certeza de que filhos não vêm para serem moldados ou aparados de nenhuma forma. Apenas para serem amparados enquanto nós, em meio a tropeços, choramingos e alegrias, somos convidados a olhar pra dentro de nós mesmos, onde - aí sim - existe algo que pode ser mudado.
Somos incapazes de transformar as outras pessoas. O único barro que está à nossa disposição para ser moldado é o nosso próprio interior. É quem somos, o que fazemos, os pensamentos que escolhemos cultivar.
Com os filhos é igual. Podemos dar bons exemplos, ensinar muitas coisas do nosso mundo, mas uma porção gigante de coisas não está sob o nosso domínio. O jeito de ser de cada um. O ritmo de cada um. Os nós a desatar de cada um.
Aprender a aceitar cada criança do jeito que ela se apresenta, a cada momento do dia, é o verdadeiro chamado para os pais. Porque é nessa hora que somos convidados a olhar pra dentro, bem no olho daquela nossa parte que também faz birra, que também grita, que também tem preguiça de escovar os dentes.
É nos momentos de conflito que as nossas dores aparecem, as nossas próprias dificuldades. Precisa de muita coragem pra se olhar dessa maneira. Mas os nossos pequenos professores fazem esse serviço como ninguém.
Eles nos revelam tudo sobre nós mesmos. Mais que os nossos pais, mais que a nossa cara metade, mais que os amigos e os sonhos que guardamos. Os nossos filhos são o espelho que refletem as nossas verdades escondidas, nossas sombras doloridas.
A nossa própria violência. A impaciência diante de uma noite não dormida, de um prato não comido, do pedido ignorado. O grito preso na nossa garganta e a força do tapa contido no meio do caminho.
Dissolvendo essas dores, apenas por olhar para elas, os comportamentos das crianças se atenuam. Não é fácil porque a cada momento surgem novas situações para iluminar outros lugares de nós.
Mas é uma prática apaixonante de autoconhecimento, desenvolvimento e, principalmente, de amor. Não me refiro só ao amor pelos filhos, porque amar os filhos é muito fácil. Mas amor pela gente mesmo, pela criança que um dia fomos, pela pessoa que somos agora.
De todas as lições que podemos deixar para os nossos filhos, a mais importante (e rara) é essa: tenham amor por si mesmos, trabalhem com carinho o seu barro interior, pois é tudo o que temos.
É deste trabalho que vem o nosso maior serviço para nós mesmos e para os que estão por perto. É assim que uma família pode viver em paz o amor que existe dentro dela.
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*Donald Zolan (1937-2009) foi um pintor estadunidense que retratou em suas obras a infância e suas descobertas. Ficou conhecido como o "Pintor das Crianças".
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Natalia Gómez Targa
É uma escritora que nasceu gostando das palavras e exerceu essa paixão de diferentes formas. Foi jornalista de economia por 14 anos, se especializou em jornalismo literário, teve vários blogues e hoje produz conteúdo para produtos digitais. Livre de rótulos, escreve aqui por puro prazer de escrever e pela alegria de deixar brilhar, pelas palavras, a sua luz interior. Paulistana, tem 34 anos e vive em Maringá (PR) com a sua família desde 2015. (Leia mais aqui!) Foto de Michele Moraes.
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