CONTOS de uma cidade morta (Luciano Leite)
- Lilis | Linhas Livres
- 30 de out. de 2019
- 3 min de leitura
Por Eduardo Lira
Imagens Leila Gapy e Divulgação

Em Contos de uma cidade morta, o pesquisador sorocabano Luciano Leite mescla a pesquisa histórica, feita por ele durante anos no Cemitério da Saudade - datado de 1863 -, com suas lembranças a respeito de entes queridos sepultados lá, como seu pai, além de reflexões ficcionadas sobre a Sorocaba (SP) que deu origem a que atualmente existe. A obra, concretizada a partir de nove textos, foi premiada em 2014 no edital de criação literária do Programa de Ação Cultural (ProAC), da Secretaria Estadual de Cultura.
Leite, que é comunicólogo e mestre além de escritor e produtor, traz à tona no livro uma nova forma de olhar para um dos pontos importantes da cidade interiorana, a morte como fato histórico, capaz de carregar em suas linhas a memória e simbolismo da trajetória local. A instigante narrativa começa trazendo conversas e descrições de como era a Sorocaba em meados do século 19, abordando questões históricas reais de forma a envolver o leitor com sua perspectiva calçada em investigação profunda para além da criação e funcionamento do cemitério.

Os capítulos se dividem em dados gerais locais e contos passados a frente do tempo, montando um quebra-cabeça com mais de 45 m² e 70 mil peças cadavéricas que jazem deixando lembranças de outras vidas. No Saudade, como é conhecido, tudo é história, frisa. Então ele nos faz repensar o quão insensíveis conseguimos ser ao se tratar da morte humana. Em suas palavras, mostra-nos quão gélidos eram os costumes, como as formas de tratamento aos corpos daqueles que foram condenados à morte há poucas décadas.
“[...] cada qual buscando uma justa e nobre hegemonia sobre os outros. Porém, e no momento da força uniformizadora da morte? E quando chega a hora fatal e niveladora a tudo o que é vivo?”.
Mostra-nos ainda as tradicionais lamúrias às afeições figurativa da morte, além de situações reveladoras, como a indiferença quando dezenas de mortos eram simplesmente descartados no Saudade. Ele narra também sobre mortes interligadas às figuras conhecidas na cidade, como Baltazar Fernandes - que descreve com ironia sobre ser ambiguamente o bandeirante assassino, escravizador de índios, e o servo temente a Deus, doador de posses para que a Igreja Católica prosseguisse com a construção da cidade -, e Julieta Chaves - a Santinha de Sorocaba, morta aos 7 anos em 1899, pelo próprio professor.

"O crime revoltou a população que quis linchar o italiano Paschoal, preso por tamanha atrocidade. As portas da delegacia, a polícia, sem forças e sem palavras, não conseguia conter a população e chamou o monsenhor João Soares para tentar demover a massa da ideia do linchamento. Ele falou claro, citou partes da bíblia, do pecado de julgar um provável inocente e com uma convicção de quem, talvez, guardasse um segredo de confessionário, sentenciou: 'Que o assassino verdadeiro pode estar no meio de vós'", página 45.
Além de refletir sobre religião e laicidade, divisões de covas e administração. O último conto, escrito em primeira pessoa, o cronista encarna o filho e descreve sobre a relação da morte a partir da ausência do pai, seu José Claudio Rodrigues Leite, falecido em 2009. Neste texto, ele relata a saudade que mora no Saudade e que o fez perceber o quanto do pai havia nele mesmo. Neste processo, ele provoca o leitor, possibilitando a reflexão sobre a ligação que temos com os demais e quanto isso se desdobra. Ou seja, ele não nos deixa esquecer que nossa história segue por uma só linha. Exatamente como a frase registrada na entrada do Saudade: “Eu fui o que tu és e tu serás o que eu sou”.
*Serviço: Contos de uma cidade morta (Sorocaba, 2017, Ed. Crearte, 103 p.) reúne nove contos históricos de Sorocaba a partir do Cemitério da Saudade (1863/2016 – ano da publicação do livro). O exemplar custa em média R$25. Disponibilidade e informações: https://www.lucianoleite.com.br/
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Eduardo Lira
Eduardo Reis Lira é sergipano criado e crescido em Sorocaba (SP), estudante de Jornalismo pela Universidade de Sorocaba (Uniso) e amante de livros, séries, sagas e poesias. Taurino, faminto por doces e pelos momentos capturados em fotografias, tenta transcrever os sentimentos em suas linhas. Atualmente é estagiário na Assessoria de Comunicação da Universidade de Sorocaba. (Leia mais aqui!) Foto Flávia Chaves.
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