CRIANÇA pra quem?
- Lilis | Linhas Livres
- 19 de out. de 2018
- 3 min de leitura
Por Eduardo Lira
Imagens Divulgação
Já se deu com a vontade de sentir novamente aquele prazer de acordar num sábado, pouco antes do meio-dia, arrastar-se com uma coberta do quarto até a sala, ligar a TV, se afundar no sofá e curtir o programa Sábado Animado (que ainda passa da Rede SBT); e esperar o almoço, comer um doce a mais escondido, correr para o quarto novamente e imaginar um mundo perfeito do lado de dentro e fora de casa?

Correr, pular, gritar, se esparramar ao chão e sonhar que pode ser invisível, ter incrível forças, super velocidade, uma linda família ou um supercarro, ajudar a todos os animais de rua, ter um navio pirata, ser salva por um príncipe, ou salvo por princesa, ser um guerreiro ou uma Power Ranger, professora, policial, bombeiro, médica, mas sempre ao fim voar de volta até o castelo.
Ou para a incrível mansão de cinquenta quartos e duas piscinas, uma quente e outra aberta com luz de fundo, que nós mesmos construíamos com papelões, tijolos, cobertas ou qualquer outra coisa que pudesse nos esconder. Isso tudo sem se esquecer de deixar a camiseta - branquinha e com cheiro de amaciante, na cor esbelta e convidativa do chão -, que rolava há pouco como tatu-bolinha que caçávamos no quintal.
Já sentiu falta de enxergar o mundo que vê hoje, de forma tão pequena e normal, com aquele olhar de imensidão e sensação de novidade? O espanto pelo curioso, a ansiedade pelo descobrir? Já pegou-se querendo ficar extremamente feliz ao ganhar tão pouco, como apenas um chocolate, mas que dava a sensação de valer tanto quanto o adiantamento (o vale da vida adulta), no meio do mês?
Talvez seja exagero essa saudosismo, sim, mas será mesmo? Sabe aquela felicidade ao encontrar os amigos na hora do recreio e poder ser criança novamente, longe de toda matemática da difícil de divisão ou da geografia maçante de norte a sul, Eslováquia e Istambul?
Ou quem sabe o prazer em disputar quem terminava a lição mais rapidamente para ganhar estrela ou carimbo da professora, ou quem terminaria de ler primeiro A Menina Bonita do Laço de Fita (Ana Maria Machado, 1986), ou quem entenderia melhor a raposa do Pequeno Príncipe (Antoine de Saint-Exupéry, 1943), quem sabe então montar os times na Educação Física. Tão bom os fáceis tempos, não?
Ainda se lembra do que queria ser? E de quantas vezes trocou de profissão? Quantas vezes pensou em logo ser adulto? Agora como jovem ou adulto, já sonhou em ser criança? Já cresceu? Deixou de ser entusiasmado para quase tudo, inteiramente sincero em relação ao que gosta ou não, rir de qualquer bolha de sabão que estoura, espontâneo, questionador sobre tudo, ou agir como se quer e não como se pode?
É, vamos crescendo e amargando o que era para ser doce e leve. Aquela criança risonha vai se fechando e troca o assunto como sobre do último episódio do desenho preferido por como anda a economia do país. Vamos abandonando a essência do mais puro amor e ocupando o espaço com preocupações com as contas a pagar, afazeres domésticos e, de repente, não descobrimos por fim o que é que tem na grandiosa sopa do neném.
Aliás, nenéns! Largamos as bonecas e passamos a conviver com crianças de verdade e, ainda assim, parece que não nos vemos nas pequenas crias, vamos rapidamente já dizendo “Não!”, quando podemos explicar Sim, assim como queríamos quando éramos nossas perguntas, mesmo que as mais tolas. Vamos nos tornando os adultos que olhávamos de longe e desejávamos nunca ser.
Mas sabe, nunca é tarde, como nunca era tão tarde para dormir e insistíamos em não pregar os olhos, ainda podemos insistir em não deixarmos de ser grandes crianças, em não largarmos os momentos em que permitíamos nos distrair, extravasar, errar, brincar e relaxar. Podemos e devemos deixar de nos tornarmos robôs e a começar a viver, não só sobreviver. Ainda temos chance em olhar o mundo como crianças outra vez. Nos permitir crescer e ainda assim, criança ser.
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Eduardo Lira
Eduardo Reis Lira é sergipano criado e crescido em Sorocaba (SP), estudante de Jornalismo pela Universidade de Sorocaba (Uniso) e amante de livros, séries, sagas e poesias. Taurino, faminto por doces e pelos momentos capturados em fotografias, tenta transcrever os sentimentos em suas linhas. Atualmente é estagiário na Assessoria de Comunicação da Universidade de Sorocaba. (Leia mais aqui!) Foto Flávia Chaves.
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