EDUARDO LIRA
- Lilis | Linhas Livres
- 23 de mar. de 2018
- 5 min de leitura
Atualizado: 19 de set. de 2018
Fotos de Laura Chaves

O vento passa pela cozinha e mais uma vez a batedeira soa, as panelas balançam na bateria, exatamente onde estão penduradas. É só mais um dia de calor, sol e calmaria no sertão nordestino. Estão todos na sala quando um senhorzinho, pai de todos, seu Antônio, ou mais conhecido como “Cajueiro”, entra com faca e queijo na mão. Todos os netos correm pra cima e ali mesmo ele grita. Assustados, afastam-se e esperam seu pedaço de queijo e, seu quase, amor.
Nasci em 1999, na cidadezinha de Ribeirópolis, em Sergipe. As poucas memórias que ainda tenho de lá são alimentadas por histórias e estórias das pessoas e familiares que ainda moram lá e que me chamam, erroneamente, pelo suposto nome que recebi ao nascer, Gilbert - que se pronuncia exatamente como o nome do gato do pequeno Caillou (desenho animado canadense), mas para outros é como o famoso Gilberto Gil.
Sempre me cobram a visita e por eu não voltar para lá. Ao certo eu mesmo não sei o motivo, mas um dia pago essa dívida sentimental. Filho de mãe solteira, que sempre se virou pra criar seus três filhos, minha mãe trabalhava dia e noite pra ter um pão de sal quando chegava em casa, prestes a nos dar boa noite e ir dormir, a fim de aguentar a rotina cansativa.
Meu irmão mais velho tinha 10 anos quando já vendia picolé na praça central, que contava com uma feira popular próxima. O local era uma gritaria só, uma festa, na verdade. Muitas cores, sons, sabores e pessoas andando de cima a baixo, todo o dia. Barracas de tudo quanto é tipo de coisa, carnes de muitos animais - tantos que aqui no sudeste as pessoas reviram a cara só de pensar -, comidas apimentadas, frutas das mais diversas, pessoas das mais alegres.
Mas ele vendia sorvete somente na praça, na realidade chupava mais picolés do que vendia, assim acabavam rapidamente os R$3 que possivelmente ganharia no fim do dia. Então ele acabava que ficava ali mesmo, na soma do caixa da sorveteria. Ainda fico pasmo quando ouço que o valor do picolé era de apenas 10 centavos, e que eram vendidos feito água, o que muitas vezes saia mais caro do que o próprio refresco.
Minha irmã, aos 7 anos, cuidava de mim e de parte da casa enquanto minha mãe trabalhava fora. Já era irmãe desde pequena. Moramos em várias casas, todas por pouco tempo, vivíamos indo de um lado para o outro, até que então, aos meus quatro anos, minha mãe resolveu tentar vida em outro lugar, arejar a mente e renovar sua jornada.
Em Sorocaba, interior de São Paulo, boa parte dos seus nove irmãos já haviam tomado rumo em suas vidas, e ali ela viu chance de também recomeçar. Então pra Sorocaba rumamos. Eu, minha mãe e meus irmãos, os quatro, sem nada além de poeira nos pés e esperança no coração. Assim chegamos à cidade grande - eles três já a conhecendo de uma breve outra morada, de certa vez, antes de eu nascer.
Algumas necessidades vieram conosco, algumas lutas e barreiras foram sendo vencidas e, assim, a vida foi tornando-se história. Mãe solteira, sem profissão, teve a ajuda de um dos irmãos, mas conseguiu manter a casa e os filhos sempre com o famoso francês na mão. Eu, já na escola, me imaginava em diversos papeis e profissões, de astrônomo a padeiro, de policial a biólogo marinho.
Amava brincar de fazer arte e sempre me machucava no fim, ainda assim era uma criança muito responsável, talvez por medo do que aconteceria caso fizesse algo que não devesse, ou porque gostava realmente de seguir a linha.
Sempre fui muito centrado e otimista. E vivia fingindo ser personagens que gostava dos desenhos animados. Principalmente os que voavam ou podiam ler e ouvir os pensamentos alheios. Talvez seja isso que eu busco atualmente, voar sobre tudo e ouvir o que as pessoas têm a contar. Muito comunicativo, fui crescendo e criando também gosto pela leitura.
Lembro que o primeiro livro que li foi Chapeuzinho Vermelho, um livrinho que contava com apenas 14 páginas, mas que me fez sentir o maravilhoso gosto de conseguir compreender toda uma história, afinal, ninguém além da televisão me contava histórias, então eu não fazia ideia de que ali, por escrito, eu poderia enxergar toda uma narrativa, sem ao menos estar tendo uma visão real.
Esse gosto aumentava a cada Monteiro Lobato e Ana Maria Machado que lia. Na escola, ainda pequeno, era muito dedicado, principalmente nas aulas de história, onde podia viajar para outras épocas sem ao menos sair do lugar. Quando me formei no Ensino Fundamental percebi em que área eu teria um rumo. Dali, então, larguei a biologia marinha e parei de procurar peixes no fundo do mar, comecei a encará-los na internet e a televisão, que era o que realmente me chamava atenção.
Nessa época eu era muito religioso, nunca me prendi a um só dogma, então por várias religiões passei, o que me ajudou muito a ter uma ampla visão do mundo. Vi várias formas de crer num além. E ao mesmo tempo que acreditava em algo maior, observava como em outros cantos do mundo haviam os diversos deuses e de como isso era aberto, favorecendo para que as pessoas vivessem de formas tão diferentes, e às vezes tão desiguais, pudessem ter algo tão importante em comum. A fé!
Mesmo não sendo pelo mesmo motivo, as pessoas têm fé em algo ou alguém. E isso muito me encantava (e ainda me encanta). Então conheci a sociologia, a filosofia e vi que se encaixam muito bem com a história humana. Juntas, são a divina trindade das ciências humanas.
Passei meu Ensino Médio apaixonado por comunicação, porém ainda não sabia ao certo qual subdivisão tomaria meu coração. Queria algo em que eu estivesse 100% do tempo junto às pessoas, compartilhando informações, trocando emoções. Até que por fim bati de
cara no portão do jornalismo, estava feito, era aquilo que queria pra mim. Então adentrei.
Tenho 18 anos, sou amante de poesia, arranho em algumas prosas e amo fotografia, além de uma compulsiva fome por doces. Uma frase que me identifico é do poeta Fernando Pessoa, “Eu não escrevo em português. Eu escrevo eu mesmo.” Pois é exatamente assim que sinto. Escrevemos um pouco de nós em cada texto, refletimos o nosso Eu em cada frase.
Não redigimos ou parafraseamos cópias como máquinas, escrevemos nossas digitais em cada palavra, em cada linha livre de expressão. E cada letra há um pouco do nosso Eu. E eu escrevo eu mesmo todos os dias. E espero escrever o meu Eu para muitos Eus espalhados por aí.
*
Confira também, pelo mesmo autor:
***

Eduardo Lira
Eduardo Reis Lira é sergipano criado e crescido em Sorocaba (SP), estudante de Jornalismo pela Universidade de Sorocaba (Uniso) e amante de livros, séries, sagas e poesias. Taurino, faminto por doces e pelos momentos capturados em fotografias, tenta transcrever os sentimentos em suas linhas. Atualmente é estagiário na Assessoria de Comunicação da Universidade de Sorocaba.
Eduardo também escreveu:
*Curta nossa página e fique sabendo das novidades!
**Conheça os demais autores aqui!
Comments