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PIRAPITINGUI e a infância colorida!

  • Foto do escritor: Lilis | Linhas Livres
    Lilis | Linhas Livres
  • 8 de mar. de 2018
  • 5 min de leitura

Atualizado: 19 de set. de 2018

Por Neoli Xavier

Imagens Google Earth

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Uma das coisas mais belas da vida é ter o que lembrar. Pois veja, sou uma mulher de 53 anos, casada e com duas filhas. Mas passei boa parte da minha vida num lugar que pode ser descrito como uma área rural. Fica entre as cidades de Itu e Sorocaba, o conhecido Hospital Pirapitingui, que pertencia ao município de Itu, distante aproximadamente 100km da capital, São Paulo (SP), acesso pela Rodovia Castelo Branco (SP-280).


Antonio Rafael Junior, em seu artigo na Revista Campo e Cidade, edição 100, nos conta que a origem da região do Pirapitinguí, como foi apelidado, está diretamente ligada à hanseníase – doença que os antigos conheciam como lepra. Criado no início do século passado pelo governo paulista como hospital-leprosário, devido a preocupação com uma suposta epidemia, infelizmente para que houvesse a segregação compulsória dos contaminados.


São muitas as histórias tristes oriundas de lá. Até hoje! Voltei lá recentemente e fiquei muito chateada, pois houve muitas mudanças desde que me mudei. Atualmente a vila se funde com o bairro Cidade Nova, de Itu, que cresceu onde era uma área de mata. Pelo que soube, existe muita criminalidade. Uma pena, pois nos tempos em que eu e minhas irmãs éramos crianças, tudo era muito diferente.

Eu era criança e minha memória de infância é feliz. Meu pai foi funcionário do hospital e nós éramos uma das 30 famílias que viviam na Vila dos Funcionários, ao lado do hospital. Nesta época a vida era muito boa, pois além dos rendimentos pelo trabalho exercido, o Estado oferecia para quem fosse morar na Vila, a isenção de aluguel e contas de água e luz, bem como fornecia fartamente o alimento do dia-a-dia.


Lá, os homens trabalhavam e as esposas, em sua maioria, cuidavam da casa e das crianças. Ah! As crianças viviam! Logo de manhãzinha eu e meus amigos íamos à escola, que ficava no centro da cidade de Itu. Na mesma classe estudávamos, eu, a Viqui, a Eliete e o Luizinho. Na mesma série, mas em outras classes e com a mesma idade tinha ainda a Shirlinha, a Regina, o Zeca, o Nando, o Edson e o Dado, todos meus amigos e residentes da Vila.


Ao retornar da escola, após o almoço caprichado, saíamos à rua, em frente a casa, que era uma espécie de pátio amplo e tinha muitas árvores frutíferas, como mangas, jabuticabas, goiabas, laranjas, jambos e jacas que degustávamos nos próprios pés das frutas. Limpávamos as mãos nas roupas, eram as cores da inocência. Quando dava sede, encontrávamos uma bica em alguma nascente ou então adentrávamos algum quintal, abríamos a torneira do jardim e assim nos saciávamos.


Tinha também o explorar de novos caminhos por entre a mata, sem calçados nos pés e sem protetor solar, somente com a companhia dos amigos e a coragem própria da infância livre. Quando cansados, nos sentávamos sob as árvores e a conversa corria solta com muitos causos e brincadeiras. Gostávamos de imitar os artistas da televisão, nos apresentando num palco imaginário.


Essa era a época de ouro dos Festivas de TV. Em outros momentos, combinávamos de nos reunir em algum ponto e todos, com suas bicicletas, dávamos voltas pela vila inteira gritando palavras de ordem em uníssono. Lembro muito bem quando a dona Dirce, amiga de minha mãe e esposa do Sargento da Polícia Militar, que morava na vizinhança, deu a luz seu primeiro filho.

O marido dela procurou nossos pais para dizer que fazíamos muita bagunça na rua e isso impedia o bebê deles de dormir. Ah! Mas não ficou por barato não. Organizamos uma reunião com as crianças de idades variadas, entre 6 a 14 anos, aproximadamente, e resolvemos que se era para reclamar que tivesse motivos reais. Todos a bordo de suas bikes, começamos a dar voltas em torno do quarteirão que eles moravam e cantar marchinhas de carnaval e hinos de time de futebol, isso a plenos pulmões.


Ficamos por uns 40 minutos, até que a dona Dirce, desesperada, saiu na porta e disse, em tom de ameaça, que tinha chamado o marido e que ele viria com a viatura da polícia. Aí foi “pernas para que te quero”; passamos o maior apuro de tanto medo das consequências de nossos atos. Porém, havia um sentimento bom e acalentador, o que importava é que estávamos unidos para o que desse e viesse! Em outras vezes organizávamos torneios de jogos diversos como queimada, vôlei, basquete, futsal, malha, bocha, onde todos os times eram mistos, ou seja, com a participação de meninos e meninas.


Ah! E tinham as peças teatrais que eram ensaiadas e dirigidas pelos mais velhos. E num certo dia escolhido, apresentadas para a comunidade toda. Outro momento marcante era a Festa de São João, organizada com produtos cedidos pelo Estado. Então não se pagava nada pelas guloseimas. Comia-se e bebia-se, à vontade, milho, batata-doce assada na fogueira, pipoca, amendoim, pinhão, bolos de sabores variados, doces próprios da época, como doce-de-leite, paçoca, pé-de-moleque.


Essa era a ocasião em que recebíamos em nossa casa os meus primos, que moravam em Sorocaba. Eles ficavam encantados com tudo e até hoje lembram com muita empolgação e carinho dos bons momentos vividos naqueles dias. Como a vida é uma eterna transformação, chegou o momento de assumir responsabilidades em relação a estudos como faculdade e trabalho. Assim, me mudei para Sorocaba na juventude e é onde vivo até hoje.


Mas considero que naquele paraíso de outrora tive as bases necessárias para formar uma vida equilibrada, apesar dos altos e baixos inerentes a qualquer pessoa no mundo.

Itu

Com 407 anos, Itu é considerada o Berço da República devido os acontecimentos históricos ocorridos na cidade e que motivaram a Proclamação da República, em 1889. É uma cidade com história marcada pela produção de café e que tornou-se Estância Turística na segunda metade do século passado. Após a orientação de segregação aos pacientes de hanseníase firmada durante a 2ª Conferência Mundial de Saúde, realizada na Noruega, em 1909, iniciou-se a movimentação política para criação de uma Colônia-Asilo. Mas o Hospital dr. Francisco Ribeiro Arantes, conhecido como Pirapitinguí, só foi construído em 1930 – após os responsáveis políticos de Sorocaba, Itu, Jundiaí e Campinas adquirem o terreno de 333 hectares no antigo bairro de Tapera Grande e construção do espaço com recursos estaduais. O auge de funcionamento ocorreu entre as décadas de 1940 e 1960, com cerca de 4 mil internos. A Vila dos Funcionários foi construída do lado oposto da Rodovia Waldomiro Correa Camargo, com 30 casas. Ainda há pessoas morando no local. Informações: www.itu.sp.gov.br.


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Neoli Xavier


Mulher, casada e mãe de duas filhas, as pessoas mais importantes de sua vida. Seu nome é Erneoli, uma homenagem às avós. Ernestina, avó paterna, e Olívia, materna. É administradora especialista em Recursos Humanos, com experiência profissional de mais de vinte anos. Depois da maternidade, o amor incondicional pela família levou-a ser mãe em período integral. Curiosa e sensível, adora pessoas e histórias. Aqui, pretende escrever sobre o que vive e sente. (Leia mais aqui!) Foto San Paiva | Fotopoesia


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1 Comment


mariacervekow
Mar 14, 2018

Isso que foi viver saudavelmente né, amiga Neoli Xavier, a inocência reinava entre as crianças, cada século, décadas e anos tem seus avanços de acordo com a tecnologia, a mentalidade.

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