RETIRAR-SE para encontrar-se!
- Lilis | Linhas Livres
- 1 de mar. de 2019
- 5 min de leitura
Por Bruna Cardozo
Imagens Divulgação
A adolescência foi um período crítico, porém, fundamental na minha vida. Foi uma fase de transição. Perguntas como “Com quem vai? Onde vai? Que horas vai chegar? Porque não atendeu o celular? Você não é todo mundo! Não me venha com conversinha afiada! Não é não, Bruna! Já falou com seu pai? Pede para ele. Isso são horas? Porque não avisou antes? Não quero saber, seu pai vai te buscar às 22h”, eram comuns vindas da dona Rosangela, minha mãe, mulher mais brava nunca conheci.
Na tentativa de fazer de minha adolescência um momento de testar meu aprendizado, comecei a fazer minhas escolhas sozinha, perdi as contas de quantas foram bem-sucedidas, enquanto as outras... Ah, essas deram problemas, na verdade não foram tantas. Apenas uma foi capaz de tirar minha paz de espírito. Após um namoro que durou por quase três anos, houve a triste e dolorosa separação. A família toda sentiu pelo término.
Menos dona Rosangela, mulher difícil de lidar, que foi uma das razões do fim do relacionamento. Porém, mesmo após o término do namoro, eu continuava a me encontrar com o rapaz, escondida, para não decepcionar meus pais. Mas como aviso de mãe nunca é em vão, a mentira tem perna curta e, realmente, cheguei acreditar que nem pernas ela tem. Um certo dia meus pais descobriram que eu estava me encontrando com ele. E foi quando tudo começou a dar errado. Uma decepção atrás da outra.
E quanto mais tentavam descobrir o que estava acontecendo comigo, mais se entristeciam, se decepcionavam e mais raiva tinham de mim. Foram diversas mentiras, omissões, tudo para tentar ser feliz com quem eu achava ser o grande amor da minha vida. E o que isso resultou? Um grande conflito em família. Meus pais ficaram extremamente decepcionados com tantas mentiras que criei, pois eu jamais havia feito nada parecido, sempre fui uma jovem calma, verdadeira, transparente e fiel à família.
Foi então que perdi todo elo de confiança que um dia havia criado com meus pais. Toda amizade, relação de carinho, afetividade e amor. Era como se fossemos desconhecidos. Trocávamos olhares de ódio e desamor. Palavra de baixo calão era frequente deles para comigo. Ofensas, repúdio e distanciamento tomava conta de nossos dias. Eu estava perdendo o prazer de viver. Deprimida, só chorava, não comia, não dormia e não sabia como reverter a situação que perdurava a pouco mais de dois meses.

Mas as coisas estavam prestes a mudar. Em agosto de 2015 participei de um Retiro Espiritual. E a Escola Municipal Flavio de Souza Nogueira, aparentemente comum, estava prestes a se tornar cenário de algo totalmente novo, inusitado e marcante. Vale lembrar que o prédio ficam em Sorocaba (SP), conhecida como “terra do calor”, como dizem meus pais, devido temperatura quente que predomina a maior parte do ano, mas que é famosa também por sua vasta diversidade gastronômica e de parques naturais e praças.
Mas como ia dizendo, a instituição de ensino cedeu seu vasto espaço para que a comunidade Nossa Senhora do Desterro, da Igreja Católica, pudesse realizar um grande retiro espiritual para centenas de jovens, com idades entre 15 a 25 anos. Os participantes vinham de várias regiões do Estado de São Paulo, mas todos com os mesmos objetivos, o de buscar reconciliação, perdão e uma nova chance para recomeçar. Todos nós começamos a chegar num sábado, por volta das 6h, e passamos pelo processo de identificação, buscando manter o máximo de organização possível.
Após deixar as malas, colchões, cobertores, enfim, todos os pertences nas respectivas salas que serviriam como alojamento, partimos para o café da manhã, servido pontualmente as 8h, quentinho, preparado com muito amor e carinho. E o dia estava apenas começando, as emoções e sensações estacam à flor da pele. Dinâmicas, oficinas, brincadeiras, momentos de reflexão perduraram o sábado inteirinho. Ao cair da noite, nos preparamos para tomar banho e dormir.
Meninos de um lado, meninas do outro, e lá fomos nós para nossa aventura de tomar um banho cronometrado embaixo de uma água gelada. Mas era incrível como nada era capaz de tirar o sorriso do rosto daquela centena de jovens. Todos de banho tomado, era hora de ir para a cama. E quem disse que essa turma conseguia dormir? E lá se foi noite adentro, todos cansados do dia repleto de atividades, mas ninguém cansado o bastante para conseguir relaxa e descansar para o domingo que já estava chegando.
Era uma energia, que seria capaz de iluminar facilmente um bairro todo, tamanha fé que tinham. Energia essa que parecia não ter fim, e realmente não tinha! Rapidamente a manhã de domingo chegou, pontualmente às 7h a organização passava nos alojamentos para acordar a galera e lá estávamos nós, eu e aquela centena de jovens, na maior animação, contagiante, sem nem pensar o que o dia traria para nós. O domingo foi passando, as atividades, dinâmicas, momento de espiritualidade foram acontecendo.
Todos eles trazendo cada vez mais tranquilidade, luz, calma e serenidade para um coração que antes estava tão aflito, repleto de mágoa e arrependimento. Aquilo foi me deixando cada vez mais sensível e, a cada instante que passava, era mais difícil conter as lagrimas que insistiam em cair. Poderia ser só mais um domingo, como qualquer outro, ou até mesmo como tantos outros domingos que já havia vivido. Mas não, era para ser diferente e único. Tinha que ser ali, naquela escola.
Acabei passando por exame de consciência e pedi perdão, por tudo que havia feito e estava arrependida. Coisa jamais feita frente a frente com meus pais, talvez por falta de coragem e até mesmo de espaço, liberdade, segurança. Quanto tempo guardando mágoas, e em fração de segundos, tudo isso foi coberto por lágrimas, abraços, beijos e um imenso estado de alegria, emoção, comoção e reconciliação. Que só aconteceu graças a toda equipe da igreja.

Cuidadosamente eles entraram em contato com a família de cada participante, para que juntos preparassem a surpresa da chegada dos entes queridos sem que nós jovens participantes soubéssemos. Sem dúvida alguma, quando virei para trás, naquela quadra, e vi toda aquela multidão de gente, que parecia ter surgido do chão, meus olhos rapidamente buscaram meus pais. Ao notar que ali estavam para juntos recomeçarmos uma nova história, fui tomada por forte emoção e gratidão.
Sentir que o perdão é a chave para colorir a vida, e a relação, seja ela qual for, é simplesmente magnifico. Embora tenha nos faltado um belo banho quente e camas confortáveis, a experiência vivenciada foi sem dúvida incrível. Estou disposta a participar de experiências. Desejo que todos que tiverem a oportunidade de participar de algo semelhante, que não desperdice a chance. Agarre com unhas e dentes, mergulhe sem medo em cada momento.
Afinal, revigora, aflora as emoções, sensibiliza, comove, transforma, transborda e fortalece a reconciliação, favorece a humildade do perdão, que com muita alegria, satisfação e gratidão, felizmente alcancei. Melhor do que aprender com os erros é viver a experiência do perdão. Errar é natural, mas recomeçar é essencial à alma.
“[...] Às vezes muitas pedras surgem pelo caminho, mas em casa alguém feliz te espera pra te amar. Não, não deixe que a fraqueja tire a sua visão, que um desejo engane o teu coração, só Deus, não é ilusão. E se por acaso a dor chegar, ao teu lado vão estar, pra te acolher e te amparar, pois não há nada como um lar. Tua família, volta pra ela, tua família, te ama e te espera”. Anjos de Resgate, Tua Família
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Bruna Cardozo
Tem 25 anos, é formada em Serviço Social, namora e é independente. É cheia de inquietações, está em constante transformação e construção. Feminista assumida, vê no amor ao próximo sua fonte de energia para lutar pela igualdade social. Apaixonada por aventuras, viagens e tudo que lhe tire da rotina. Gosta de organização e planejamento. É sonhadora e tem nos amigos sua melhor companhia. (Leia mais aqui!) Foto San Paiva.
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