LUIZ RODRIGUES
- Lilis | Linhas Livres
- 23 de mar. de 2018
- 4 min de leitura
Atualizado: 20 de set. de 2018
Fotos Pâmela Ramos

Creio que a maioria das pessoas, um dia na vida, tem esse desafio, o de olhar no espelho, abrir o baú e falar de si mesmo. Porém, desafios são feitos para serem transpostos, tentarei, de forma resumida, passar pelo meu, espero que goste.
Nasci no Paraná, em Rondon. Era 1971 e eu, o primeiro dos cinco filhos da dona Carmela e seu Manoel. Iniciei cedo o trabalho e tarde os estudos. Nessa época meu pai fazia bicos em roça e, por conta disso, morei em vários lugares na primeira infância.
Depois ele se firmou em São Bernardo do Campo, ABC Paulista. Aos seis anos já vendia doces e bolos para minha tia, nas obras e comércio da Grande São Paulo.
Meu pai era soldador da Case do Brasil, empresa de tratores, e sua transferência para a planta de Sorocaba (SP) atrapalhou o calendário escolar, me forçando a ingressar somente aos oito anos de idade no Ensino Fundamental.
O estudo era dividido com as brincadeiras de toda criança, como jogar bola, soltar pipa, brincar de mãe-da-rua, entre outras. A vontade de ganhar dinheiro para as necessidades de criança, como um sorvete, doces, um cachorro quente, me fez ir atrás de trabalho.
Vendia sorvetes, latas de alumínio, doces, jogo do bicho, e qualquer outra coisa que me desse alguns trocados, isso na década de 1980. Aos 11 anos, com apoio de minha mãe, para me incentivar ao emprego formal, fui à Guarda Mirim sorocabana.
Isso porque, como ela dizia, eu “não era flor que se cheirasse”. Assumo, aprontava bastante com a molecada da rua. A Guarda Mirim me ensinou a ser mais responsável com horários, ter disciplina, compromisso com trabalho.
O primeiro emprego, como guardinha, foi no extinto supermercado Jumbo Eletro, onde fazia os pacotes, levava até os carros, casas próximas, e onde ganhava a “caixinha” – dinheiro ofertado pelos fregueses.
Aos 13 anos fui trabalhar como telefonista na Rádio Cacique, em Sorocaba mesmo. Lá eu atendia a portaria e os telefonemas. Era tanta gente que, à noite, eu falava sozinho, atendendo pessoas durante o sono, nos sonhos.
Além disso, também fazia os serviços de banco para a rádio. A curiosidade em aprender era clara, mexia em tudo, queria ver, usava a máquina de escrever da secretária, escrevendo meu nome em papéis, pra mim, estava treinando.
Até que fui descoberto. Acharam papéis com meu nome no lixo. Bronca, é claro! Na época ainda existia um formato de rádio, com apresentadores e operadores de rádio, pouco existente atualmente.
Na esquina da rádio, existe até hoje um bar, onde os funcionários iam almoçar ou lanchar, porém, havia necessidade de ter um operador para tocar as músicas neste período.
Isso ainda era feito de vinil, portanto, o tempo era curto, cerca de quatro minutos. Então não dava para abandonar a técnica e ir comer. Mais uma vez, o menino curioso foi aprendendo.
Às vezes matava aula para ir treinar e, com o tempo, passe a ser o “tapa buraco” dos operadores de som, enquanto saiam. Operava o áudio em pé, devido ao meu tamanho, para ver os locutores.
Evidentemente que, uma hora, isso iria dar errado. E deu! Certo dia, o diretor da rádio chegou e viu um menino operando o som enquanto os adultos estavam no bar, comendo.
Perguntou o que eu fazia lá. Estava bravo, é claro.
Disse que não poderia estar lá e pediu que chamasse os funcionários, que “gentilmente” foram advertidos. Um mês depois, o dono da rádio me chamou e perguntou se realmente eu sabia mexer nos equipamentos.
Eu confirmei. Então pediu para que chamasse o meu pai ou mãe, disse que queria falar com eles. A autorização foi dada pela minha mãe e passei a ser operador de áudio, após a demissão de dois funcionários, em 1985, com apenas 14 anos.
A partir de então transito no meio de rádio, sempre me aperfeiçoando por meio de cursos. Passei por operador de gravações, operador de central técnica de transmissões, locutor e indoor, encarregado em operações de áudio, chefe de operadores, diretor artístico e até sócio de rádio.
A inquietação de sempre me levou a cursos de eletrotécnica, eletrônica. Descobri a linguagem como paixão, então estudei espanhol, inglês e fiz faculdade de Letras, além de viagens nacionais e internacionais para conhecer novas técnicas.
Atualmente sou mestrando em Comunicação e Cultura pela Universidade de Sorocaba (Uniso). Atualmente trabalho como locutor indoor, no Studio K-lis e em celebrações sociais. Trabalhos que concilio com o de técnico do laboratório de comunicação da universidade, onde estudo.
Apesar de tudo isso, confesso que me desdobro para ter tempo para a esposa e para ajudar os animais de rua, que estão em toda cidade – só na minha casa tenho quatro, três deles foram abandonados.
O trabalho voluntário envolve capturar, acolher, castrar e doar. Esse, na verdade, é o pensamento, uma filosofia. Alguns não têm sorte em conseguir um novo lar, então acabam ficando e aumentando a família de quatro patas em casa, enquanto os de duas pernas não chegam.
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Luiz Rodrigues
Luiz Carlos Rodrigues, conhecido como Luizinho Rodrigues, é mestrando em Comunicação e Cultura pela Universidade de Sorocaba (Uniso), além de radialista, locutor, produtor de áudio, operador de gravações. Trabalha na área de radiodifusão desde 1985 e como diretor artístico de rádio desde 2006. Atualmente pesquisa o desafio de cururu em Sorocaba (SP).
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