PATRIARCADO no desafio do Cururu!
- Lilis | Linhas Livres
- 17 de jun. de 2018
- 4 min de leitura
Atualizado: 20 de set. de 2018
Por Luiz Rodrigues
Fotos Divulgação

Bernard Miège, sociólogo francês, escreveu no livro O Pensamento comunicacional, 2000, lamentando sobre a formação teórica dos estudantes de comunicação, que deixam de lado os vários caminhos que o estudo desenvolve. Para ele: “A primeira razão seria lutar contra o sincretismo teórico”.
Com esse pensamento em mente, estive na Universidade da Costa Rica, no mês de Fevereiro de 2018, para uma participação, no Simpósio Internacional das Mulheres na Música. O evento buscou discutir o que as mulheres estão fazendo na música, suas dificuldades e o modo patriarcal, que tem diminuído as possibilidades do crescimento da mulher em todas as esferas, inclusive na música, em várias partes do mundo.
No evento, fiz a explanação sobre o desafio de cururu sorocabano, onde os homens, escolhidos pelo espirito santo, recebem o dom de cantar, este, que não é conferido às mulheres, sem nenhuma explicação lógica, possivelmente pelo patriarcado religioso, vindo das Festas do Divino, onde os cantadores de cururu levavam até as casas longes da igreja as mensagens da igreja através da música.
A apresentação foi pautada neste modo patriarcal, onde as mulheres são minoria absoluta cantando e tem papel secundário, como de dona da casa, que cuida dos filhos e da organização dos eventos, sendo os demais cargos principais, delegados aos homens. A faixa etária dos participantes, modela as décadas de seus nascimentos, entre as décadas de 1930 e 1950, onde a criação era muito mais reservada, com uma noção religiosa mais aprofundada e valores definidos, relacionados à época.
Com estes detalhes, a apresentação foi feita no simpósio, com a mensagem e o desafio, para que os estudantes, professores, possam produzir e expor muito mais os seus estudos, assim como se tem feito na Universidade de Sorocaba, sétima em citações de artigos científicos, um excelente número e que poderá estar ainda melhor, atravessando os muros da universidade, do mundo acadêmico.
Levando ao poder público ideias para melhorar a vida da comunidade, que muitas vezes, tem acesso à universidade, aos artigos, porém tem dificuldade para entender o sentido do que está escrito, não conseguindo por si só mudar seus rumos e não vê no cotidiano coletivo muitos magníficos trabalhos em sua vida diária, que ficam nos bancos de dados da universidade.
Na cidade de Sorocaba, há uma subversora deste comportamento patriarcal do cururu, Ana Sueli Gardiano, uma senhora de 70 anos, radialista, apresentadora, cantora e atriz de rádio novelas, que deixou de participar dos desafios, ao não suportar as agressões verbais, comum nos improvisos, com temas profanos e por muitas vezes nada republicanos.
Em entrevista, Ana Sueli, mais conhecida com Nhá Bentinha, falou sobre o desafio com o cantador, onde se sentiu muito agredida com as palavras dele, que a chamou de “vadia”, na rima. Nhá Bentinha, depois desse dia, teve receio de cantar com os homens e como não há mulheres para esse desafio, parou de participar como cantora, protagonista. Após o acontecimento desagradável, passou a acompanhar, ajudar, produzir os eventos, deixando um vácuo na participação feminina nesta modalidade cultural.
Também entrevistado, o cururueiro Cido Garoto, informou que nos últimos 30 anos, somente dois novos homens se encantaram e praticam esse desafio. A dificuldade encontrada para sequência da tradição está na renovação, com idade a partir dos 50 anos e cururueiros, como Cido que tem 74 anos. Poucos adeptos assistindo e por consequência aprendendo a cantar o cururu.
Na cidade de Votorantim há um dos poucos exemplos, de Andinho Soares, que tem banda de rock e ao mesmo tempo prestigia e canta o cururu. Na cidade de Porto Feliz, outro relato Cassio Carlota, que também segue essa tradição, além de cantar modas de viola nos bares de toda região. Enquanto isso, não há nenhuma mulher hoje na cidade de Sorocaba e na região, cantando ou com intenção, de ser uma cururueira.
Um levantamento feito no local do evento mensal do desafio de cururu, no Clube Barcelona, mostra um quadro preocupante em relação a essa tradição, confrontada com o que disse Cido Garoto, sobre a renovação. Na pesquisa realizada com 72 pessoas, durante a realização dos eventos, nota-se que a maioria do público, que canta e frequenta os eventos, é masculina com 62,5% e 37,5%, são de mulheres.
No perfil de idade dos participantes, cantores e público presente, notamos que a idade é também preocupante para o futuro do desafio de cururu. O maior público pesquisado, 77,8 % está situado entre 50 e 80 anos, com destaque na faixa entre 60 e 70 anos. Segundo o IBGE, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, a média de vida do brasileiro, está em 75,5 anos, e a expectativa de sobrevida dos homens é de 71,9 anos e para as mulheres 79,1 anos.
Com este pensamento, orientação do prof. dr. Paulo Celso da Silva, com ajuda dos cururueiros, e depois de pesquisas da legislação da cidade, apresentamos uma proposta de lei na Câmara Municipal de Sorocaba, para o vereador até então João Paulo Miranda, depois encampada pelo vereador João Donizeti, para que tivesse um dia de comemoração, e que o poder público pudesse, além de comemorar, incentivar novos talentos, realizar eventos nos bairros, abrir mais espaços para que outros cantores possam se apresentar e não somente o mesmo grupo.
A lei foi aprovada na votação no dia 5 de Dezembro de 2017, passando a ser dia 19 de Julho, o dia do cururu. Os cururueiros estão resilientes, lutando contra o desaparecimento desta arte, tentando conseguir espaço nas rádios, em locais públicos, patrocínios para levar conhecimento desta cultura a toda região.
Se as fronteiras patriarcais não forem abertas, para novos talentos, para homens e mulheres, as perspectivas do cururu na cidade de Sorocaba não são nada boas, devido a idade avançada dos homens e a falta de renovação.
_
Confira também, pelo mesmo autor:
***

Luiz Rodrigues
Luiz Carlos Rodrigues, conhecido como Luizinho Rodrigues, é mestrando em Comunicação e Cultura pela Universidade de Sorocaba (Uniso), além de radialista, locutor, produtor de áudio, operador de gravações. Trabalha na área de radiodifusão desde 1985 e como diretor artístico de rádio desde 2006. Atualmente pesquisa o desafio de cururu em Sorocaba (SP). (Leia mais aqui!) Foto Pâmela Ramos
Luiz também escreveu:
*Curta nossa página e fique sabendo das novidades!
**Conheça os demais autores aqui!
Comments