UMA RESPOSTA chamada feminismo!
- Lilis | Linhas Livres
- 20 de mar. de 2020
- 7 min de leitura
Atualizado: 25 de mar. de 2020
*A quinta matéria da série de reportagens explica a presença e a evolução do movimento feminista na vida das mulheres*
Texto de Isabela Dantas
Ilustrações Paru Ramesh**
Revisão de Miriã Almeida
Edição de Leila Gapy
Deixando as histórias de princesas e seus contos de fada para lá, na vida real os roteiros mudam e cada personagem tem o seu próprio rumo. Por trás de grandes narrativas sempre existem pessoas fortes. É a partir daí que, em uma breve conversa com Dona Manoelita, com seus oitenta e poucos anos, a seguinte pergunta foi indagada. “A senhora se considera uma mulher forte?”. Sem nem pensar por um segundo, um “sim!” com muita assertividade saiu daquela mulher cheia de experiências e vivências.

A mulher da casa
Dona Manoelita casou-se aos 23 anos. Dona de casa, mãe de três filhos e esposa, dedicou parte de sua vida a cuidar do lar. Foi a necessidade e a difícil notícia da morte do marido que a fez se reencontrar e tornar-se a mulher forte que ela diz ser atualmente. Após um ano do acontecido, em 1972, Manoelita sendo a mulher da casa, precisou começar a trabalhar.
"Eram quatro pessoas para comer e ainda tinha o aluguel da casa para pagar. O dinheiro que recebia da morte do meu marido não era suficiente. Na época, para mulher trabalhar de empregada era fácil, então foi isso que eu fiz. [...] Eu tive que me adaptar aquela situação. Coisas que eu nunca tinha feito na vida, tive que fazer. Eu me considero uma mulher forte porque consegui chegar até aqui”.
Trabalhando como faxineira em uma grande empresa de carros, a jornada de trabalho era dupla. Além de trabalhar aos sábados, sua rotina começava às 6h e às 8h a limpeza tinha que estar pronta para a empresa funcionar. Voltava para casa, fazia almoço, lavava roupa e às 13h voltava para o trabalho. Às vezes era surpreendida pela chuva no caminho, já que seu trajeto era feito a pé.
“Eu acho que fui uma batalhadora porque não foi fácil. Não sobrava dinheiro e logo descobri um problema de circulação sanguínea que dificultou a rotina de trabalho. Além de tudo, morávamos de aluguel e o dono da casa queria vende-la”.
A casa própria era como um sonho e morar de aluguel era o verdadeiro pesadelo. Constantemente o dono da casa levava interessados pela residência para conhecê-la, enquanto Dona Manoelita e seus filhos estavam no imóvel. No dia da mudança, já que a casa foi vendida, logo pela manhã, o proprietário já estava retirando os móveis da família. Após alguns outros imprevistos, a sonhada casa se tornou realidade. Era necessário fazer reformas já que estava velha, as goteiras eram inúmeras e a água entrava por todos os lados. Algumas dívidas foram feitas mas, no final, tudo deu certo, graças à força e a coragem da Dona Manoelita.
O feminismo

Manoelita desafiou os padrões e certamente não foi a única, muitas mulheres, hoje avós, já passaram por isso e mais um pouco. Mulheres de força, guerreiras e destemidas, há anos temos um nome para isso, felizmente atualmente faz mais sentido dizer: feministas! Será que elas sabem o que é isso, ou melhor, será que elas sabem que contribuíram para este movimento em tempos que o significado era incomum?
Segundo Georgia Mattos, doutoranda e mestra em Comunicação e Cultura, surgido em meados do século 19 com a intenção de contestar a ordem conservadora e consequentemente ser uma resposta ao machismo, o feminismo se caracteriza como movimento por ser constituído de movimentos políticos e sociais, reivindicando melhorias para as mulheres como direito ao voto, trabalho e estudo.
A evolução de feminismo
Ainda de acordo com estudos realizados por Georgia, o feminismo é dividido em três ondas que ao longo de sua evolução foi se adequando ao contexto histórico e social das épocas. A primeira onda, surgida no século 19, reclamava por direitos políticos e sociais, como o direito de votar, trabalhar e estudar. Após a Segunda Guerra Mundial surge a segunda onda, reivindicando os direitos ao corpo e ao prazer. A terceira onda, que se deu início na década de 90, também é conhecida como movimento plural, pois começa a considerar a diversidade existente entre as mulheres, problematizando as questões entre gênero, sexualidade e subjetividade.

Assim, na segunda onda, o movimento que se constituía de duas posturas diferentes, as “diferencialistas” e as “igualitaristas” passou a enxergar não categorias, mas sim mulheres diversas. As “igualitaristas” defendiam sua igualdade de direitos com os homens, tanto nas atividades políticas e sociais, desconsiderando a diferença entre corpo e sexo. Já as “diferencialistas”, utilizando o critério desta diferença, justificavam a subordinação da mulher na sociedade. Muito se foi debatido daquele tempo para cá e, se desde os primórdios as mulheres já lutavam por igualdade, com o passar dos anos a pluralidade do feminismo foi entendida.
Para Josefina Tranquilin, antropóloga e pesquisadora das questões de gênero, não existe somente um feminismo e sim feminismos no plural. A luta pela igualdade de gênero, pelos corpos femininos e pela legalidade dos seus atos são alguns dos pontos em comum de cada vertente, como o feminismo negro, o transexual, o radical, o interseccional e o liberal.
“Há muitas nuances dentro do movimento, as quais refletem as complexidades e diversidades culturais, sociais e econômicas. Todos os feminismos devem dialogar, mas há especificações em cada um deles”, diz Josefina. Entendido que cada mulher é única, as subdivisões vêm para somar e não diminuir.
Feminismo Negro

É preciso analisar e ter cautela, afinal cada feminismo tem as suas fundamentações, como por exemplo, o feminismo negro. Teresa Ferreira é militante do feminismo negro e afirma que o racismo e a questão de gênero são elementos que moldam a pirâmide social, sendo um reflexo do lugar o qual a mulher negra ocupa, a base. "O feminismo negro é revolucionário e ancestral. É antes de tudo falar das condições que estas mulheres foram submetidas no decorrer da história. Ele nasce para dar voz a essas mulheres e luta por uma reformulação das estruturas sociais”, afirma Teresa.
Ela explica que as mulheres negras estão na base da pirâmide social, são um reflexo direto da forma como as camadas são construídas. O racismo e a questão de gênero são os elementos que moldam a pirâmide, condenando as mulheres negras a uma situação perversa e cruel de exclusão e marginalização social. As vulnerabilidades são de diversas ordens, como: uma maior possibilidade de ser vítima de homicídio em relação à mulher branca; um maior índice de analfabetismo entre as mulheres negras; e até um maior número de ocupação em postos de trabalho mais precarizados.
Diante desse quadro o feminismo negro nasce para dar voz a essas mulheres a partir das profundas raízes em movimentos auto-organizados por mulheres negras ao longo da história. O feminismo negro pretende e tem lutado para a reformulação das estruturas sociais, por meio da abolição de opressões impostas às mulheres negras. Atualmente, as mulheres negras ocupam lugares de relevância política e social – ainda aquém de suas possibilidades, se não fosse a dívida histórica -, e a tendência é só melhorar, do ponto de vista de Teresa, uma vez que repensar o gênero feminino é olhar a partir do que as mulheres pensam sobre si e não sobre o que a sociedade espera delas.
Afinal, desde pequenas as mulheres são colocadas em caixinhas que as rotulam, “como se vestir”, “como se comportar”, “como ser bonita”, enfim, a lista é grande. Já cedo se sabe o que é de menina e o que é de menino e, com o passar do tempo, a situação só piora. Na fase adulta, posições sociais lhe são negadas, no ambiente de trabalho o lado intelectual e financeiro são desvalorizados e em todos os âmbitos sociais, seja nas grandes mídias ou na rua, seus corpos são sexualizados. Tudo isso são regras colocadas dentro de uma sociedade ainda patriarcal, machista, misógina e sexista.
Geórgia explica que, “desde antes de nascermos o machismo já se faz presente. Nascemos dentro e a partir de uma estrutura de normas de gênero que determina quem somos e como devemos ser. O machismo é estrutural, não somos por natureza, mas somos culturalmente”, ressalta.
É necessário entender que o machismo existe e também enxergar a estrutura que o cerca, pois a partir daí, o movimento feminista deixa de ter uma imagem “negativa”, assemelhada à agressividade e estereótipos, e passa a ser um movimento de mudanças e desconstruções para enfim, construir.
Aparenta ser difícil e complexo, mas é mais fácil do que parece. Como foi com dona Manoelita e também como é com muitas mulheres a nossa volta, mesmo sem saber, elas já fazem história no feminismo, e é a partir delas que as transformações sociais acontecem (LL).
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MAKING OF
Entrar em contato com a história de Dona Manoelita foi profundo, mas também muito inspirador. Por trás de uma senhora de idade, de cabelos brancos, magra e quase sempre muito quieta, existe uma mulher que na juventude lutou pela família, pela sobrevivência e principalmente por si mesma. Incrível pensar que no cenário da época muitas mulheres também faziam o mesmo, porém poucas sabiam o significado de suas atitudes. Feministas, sim, e muito inspiradoras! Por meio desta reportagem digo com assertividade: estamos rodeadas de mulheres incríveis, nos basta parar e dar uma atenção especial às suas histórias. Foi por meio de uma simples pergunta que descobri a força que habita dentro desta senhora que é minha avó e que tenho muito orgulho de saber até onde ela chegou. Ela queria ser ouvida e somente após 48 anos que tudo isso aconteceu, quando esta reportagem acabou, ela me disse: “então eu também sou feminista”. E eu digo, valeu a pena (Isabela Dantas)!
**Paru Ramesh é uma ilustradora e design gráfica indiana.
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*Esta é a 5ª matéria da SÉRIE DE REPORTAGENS - FEMINISMO
- 1ª matéria: No olho do furacão! (Por Nicole Bonentti);
- 2ª matéria: A criminosa violência psicológica! (Por Leila Gapy);
- 3ª matéria: Amiga: fica esperta! (Por Leila Gapy);
- 4ª matéria: Invisível, mas nem tanto! (Por Pâmela Ramos);
- 6ª matéria: Elas por todas nós! (Por Isabel Rosado).
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Isabela Dantas
Estudante de jornalismo, apaixonada por cachorros, livros, sorrisos e boas conversas. Carrego comigo a curiosidade de conhecer o diferente e não me habituar com aquilo que a gente chama de normal. Comigo não tem tempo ruim, para tudo existe solução e cada dia é um novo recomeço. Estranho é não me ver sorrindo. (Leia mais aqui!) Foto de Pâmela Ramos.
Isabela também escreveu:
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